sábado, 21 de outubro de 2023

O Cavalo, a Pedra, o Rio e o Solsticio


Estes dias com a nova da conferencia de Guillaume Leroy sobre a figura do encantador Maugis d´Agriemont uma das personagens secundárias da gesta medieval dos Quatro Filho de Aymon, estivem lendo sobre sob outro celebre participante deste ciclo, o Cavalo Bayart, montura sobrenatural dos heróis e sobre tudo do principal protagonista do poema Rene de Montauban.

relevo numa rua da cidade de Maastricht representando aos Quatro Filhos de Aymon e Bayard. 1786

Bayard aparece no relato como um cavalo de cor vermelha como o fogo, definido como o melhor dos cavalos. Capaz de dar saltos a grandes distancia, e desbaratar com seu fortes peçunhos a inimigos, árvores ou mesmo edifícios, e   que levar aos seus donos, os quatro irmãos derriba do seu lombo, que pode estirar a vontade para lhes dar acomodo, imagem que aparece repetida longamente na iconografia desta lenda, e alcançou uma grande popularidade. 

O Nix, ilustração de Theodor Kittelsen

Bayard ajudante maravilhoso dos quatro filhos de Aymon, cavalo sobrenatural por antonomasia, e protótipo de cavalo perfeito, aparece igualmente longamente estendido pelo folclore francês misturado cuma multiplicidade de cavalos sobrenaturais como o Cheval Mallet, cavalos que igualmente alongam o lombo para acolher nele a vários ginetes convidando-os a passar um rio convertido em tumultuoso torrente e vota-los logo nae águae, episodio com final cómico ou funesto segundo o caso. Cavalos que anunciam a morte e dos que a sua soa aparição e temida, temas dos que já temos tratado (aqui). 




Fronte a estes cavalos com carácter negativo e funesto a matéria artúrica refere um cavalo de longa garupa mas representado dum jeito positivo ao modo de Bayard; assim no Kulhwch e Olwen, Llanroi o cavalo do rei Artur leva nas suas costas 4 cavaleiros feridos num combate em uma cova. Dentro da tradição céltica temos igualmente um episodio que narra como o deus do mar Mannanan MacLyr resgata tres naufragos no mar aos que da acomoda no lombo extensivel do seu cavalo, o qual corre sob as ondas como por uma chaira, levando-os a uma Ilha do Além

dois casos de Pas Bayard "pegadas de Bayard"

Bayard deixou também pegadas mesmo na toponímia, num conjunto de lendas etiológicas extendidas pelo territoio de Fraça, Beligica e Luxembugo que explicam determinadas feições da paisagem,  gravuras, ou pseudo-gravuras pétreas que foram criadas segundo a tradição pelo galope dos cascos do cavalo sobranatual. De ai os abundantes Pas Bayard repartidos pela geografia de estes paises, como o Pas Bayard do município de Durbuy pedra um sulco na sua parte superior, que se diz foi deixado quando o Ros Beiaard se impulso para saltar levando aos quatro filhos (Heemskinderen) acima até Durbuy. Um salto de nada menos que  de 10 quilómetros. 



Rocher Bayard numa pintura de 1838 e na atualidade

Também se lhe atribuida a Bayard o estado atual da chamada Rocher Bayard uns penedos serrados próximos a Dinant  que segundo a lenda adquiriram tal forma após receber um coice do mítico cavalo. 
Tradições etiológicas que recordam no folclore galego aos cavalos montados por heróis como Roldão, ou santos (Santiago, a Virgem), que saltam extensas distancias deixando nas rochas as pegadas dos cascos das suas monturas.

Ferraduras nos petrglifos das Pegadinhas da Nossa Senhora (Montalegre, Portugal) deixadas segundo a lenda pela mua da Virgem Maria

As Origens de Bayard

Mas quais são as origens deste cavalo maravilhoso. O poema dos quatros filhos de Aymon, que atribui ao imperador Carlo Magno o ter cedido Bayard aos irmãos, descreve já desde um principio uma origem sobrenatural, procedente de uma ilha feérica, que recorda a essa Ilhas do Além da mitologia céltica, onde se diz fora criado pela fada Morgana, mas sem indicar mais sobre as origens e filiação do animal.

“Ele não é um cavalo tão bom em quarenta cidades.

Bayard era o nome dele, então ouvi seu chamado;

Porque foi levado para a ilha de Bocan, entre dois mares.

De Faeria o cavalo foi trazido.

Morgane, a fada, alimentou-o com muito cuidado”

(Quatre Fils de Aymon)

Será o Cantar de Maugis d´Agriemond, o, que além da a procedência de insular,  concretizará as suas origen ao inclui umas estranha filiação não equidea senão serpentina do cavalo, filho de um dragão e uma serpe. 

Maugis O Encantador rouba aos demos o cavalo Bayard

Este cavalo fabuloso de estas origens que visan com o maligno, mas destinado a se converter no assistente do herói, fica na Ilha não cuidado afeituosamente por uma fada, senão cativo e guardado por um fero diabo. 

“Que o cavalo é fádado, segundo algumas pessoas.

Ele nasceu de um dragão e de uma serpente.

Um grande precipício o impede de escapar

E um demônio terrível se esconde, em verdade vos digo,

que é forte e feio, de nome Raanas

É um cavalo fada com corpo nobre

Quem consegue carregar alegremente o dia inteiro,

Três cavaleiros armados para um torneio,

e nenhum vestígio de suor escorreria pelos seus lados

Está nesta rocha num lugar escondido

Entre quatro pilares trabalho de ouro

E quatro grandes carvalhos, todos prateados,

O corcel está aprisionado por essas colunas”

(Cantar de Maugis d´Agriemond)


Na versão do Maugis, serão o proprio encantador quem consiga liberar o cavalo da sua prissão, e lhe-lo ceda após isto, em vez do imperador, a seus primos, os filho de Aymon dos quais será o fiel servidor nas suas aventuras, marcadas pelo inicial enfrontamento destes com o imperador Carlomagno. 


A não-morte e posteridade de Bayard

Após muitos aconteceres finalmente a gesta conta como pela intervenção dos Pares de França, entre eles Roldão, o imperador perdoa e se reconcilia com o heroi Rene de Montauban. Impondo-lhe Carlomagno em troca do perdão duas: condições: realizar uma peregrinação a Terra Santa, e ceder-lhe em propriedade a Bayard. Assim acontece, mas uma vez com o cavalo ao seu dispor, Carlomagno decide tomar nele vingança do seu antigo dono, e ordena atar o pescoço do animal a uma pesada roda de moinho que logo atiram as aguas do rio Reno ou Mosela, segundo as versões. Mas longe de morrer no fundo do rio Bayard sobrevive ao suplicio.

“Mas ao olhar ao longe, para um lugar onde o rio se alarga, vê o cavalo nadando vigorosamente, que bate com os cascos na mó, estourando muitas lascas, de modo que acaba quebrando-a como um torrão de terra . Ao se libertar dele, atravessa o largo rio e recupera o equilíbrio na outra margem onde sobe até o topo da escarpa; então ele se sacode da cabeça ao rabo, relinchando e batendo no chão com os cascos; finalmente, afunda, mais rápido que uma cotovia , no coração da floresta selvagem das Ardenas.  (Quatre files de Aymon)

Este estranho do método usado pelo imperador para matar ao cavalo encaixa curiosamente com o carácter aquático que se frequentemente se lhe atribui no folclore europeu aos cavalos sobrenaturais e feéricos.

Bayard no Mosela, ilustração de Eugene Grasset 1883

Cavalos feéricos habitantes das águas e que tentam levar lá aos incautos humanos que aceitam montar em eles, ou que saim dos rios e lagos para emprenhar as egoas locais, das quais nascera algum cavalo com extraordinarias carateristicas. Não resulta extranho ver tras do proprio Bayard um exemplo mais de esa tipologia cavalo sobrenatural, no qual a natureça aquática ficaria encoberta pelo seu aquático suplicio no Reno ou Mosela. 

"O Nix como cavalo branco" Theodor Kittelsen, 1909

Suplicio aquático que ainda não supondo a morte real do cavalo no entanto marca a separação dele do mundo humano, a sua definitiva retirada ao ambito da Feeria, escondido no fundo floresta das Ardenas onde permanece retirado: "... se diz no Reino, como lemos nas histórias, que ele ainda mora na floresta e que, se avistar alguém, em vez de se aproximar, foge o mais rápido possível, como um demônio temente a Deus" (Quatre files de Aymon).



A tradição oral ardenate acrescenta que estas aparições do fugidio Bayard se produzem durante o solstício de verão, no qual se pode ouvir o potente rinchar do cavalo, ou se-lhe observa galopando furioso pelo lugar. Uma destas cavalgadas de Bayard foi descrita ainda no século  XIX por Prosper Tarde, que recolheu em 1861 a noticia de boca de um velhinho que a relatava os feitos como acontecidos no ano 1815, durante a guerra entre franceses e prussianos:

“[…] À noite do solstício de verão, chegamos a Montcy-Notre-Dame , perto de Waridon. Cheios de cansaço, paramos para pernoitar lá. A décima segunda hora estava prestes a soar. Nossos homens estavam dormindo. Eu estava de plantão. Eu assisti, eu escutei. De repente, ao longe, no cume do Waridon, ouço um estrondo surdo. A terra estava tremendo. O barulho fica mais nítido: é o passo regular de um cavalo correndo a galope. Sob seus pés, as pedras quebram ou rolam com estrondo. - Minha fé! Confesso que o medo tomou conta de mim. Eu não teria temido os prussianos . Mas não era um hulan: era o cavalo de Maugis, o cavalo dos quatro filhos de Aymon, o cavalo encantado; era Bayard, o cavalo de fogo. Logo o rápido animal passou na minha frente como um raio, iluminando o vale, o riacho, a montanha e suas ruínas. Ele corria pelas pedras que formavam a beira da torrente. As pedras voaram atrás dele, caíram na água ou foram esmagadas. Bayard, pelas narinas, pelos cascos, lançava fogos e chamas; ele relinchou e zombou furiosamente, e eu ouvi claramente o nome de Carlo Magno . Os ecos do Waridon repetiram: Carlo Magno! Carlo Magno! em tom insolente e zombeteiro”

Este relato destaca o forte carácter ígnico de Bayard, que outras tradições populares associam igualmente com outro fogo, o fogo aéreo que se manifesta na tormenta, o raio e o trebão. Um cavalo de origens diabólicas ou monstruosas, com a pelagem da cor do fogo e que se identifica ele mesmo com o elemento, e bota chamas e iluminando a noite ou ceu. 

Iupiter, deus do trono, como cavaleiro vence ao gigante anguipedo, 
Musée Bargoin, Auvernia, França

Cavalo ígneo ou tonante que "morre"  nas águas, ele mesmo procedente de uma ilha no mar, e retorna anualmente ao mundo dos vivos no momento preciso dos solstícios estivais. Náo é muito dificil ver em estas asociaçôes conexas um fundo mítico muito claro em este equido a vez malefíco e divino, tenebrosso e luminoso que resplandecente emerge ciclicamente da feerica e humbria fraga das Ardenas.

 

Bibliografia

Castets, F. (1909): La Chanson des Quatre Fils Aymon, d'après le manuscrit La Vallière, avec introduction, description des manuscrits, notes au texte et principales variantes, appendice où sont complétés l'examen et la comparaison des manuscrits et des diverses rédactions. Coulet et fils. Montpellier.  acesivel em Gallica

Le Roux, F. (1955): "Le cheval divin et le zoomorphisme chez les Celtes", Ogam Nº 7/2, 38 pp. 101-122

Merceron, J. (2018): "Le cheval Bayart, l’enchanteur Maugis et la fée Oriande. De la médecine par le secret à la chanson de geste et retour par la mythologie celto-hellénique" NMC Nº 4 pp. 1-76 PDF

Tarde, P. (1861): Le roman des quatre fils Aymon, princes des Ardennes. P. Dubois. Reims. acessivel aqui
  

Sem comentários:

Enviar um comentário