sexta-feira, 23 de junho de 2023

Lá acima naquela Serra ... O São João

Quando há uns mês estivem em Trás-os-Montes em Pitões das Júnias pelas Jornadas Galego-Portuguesas de este ano pude conhecer algo sobre esta ermida que se ergue aqui em este picoto no alto entre as rochas da Serra do Gerês. 

Gosto muito de Pitões e do que lã vejo refletido de nós no espelho português, da própria minha Galiza minha. Todas aquelas coisas que a este lado da raia se viram marginada ou agredidas e lá estão vitais: a permanência ainda do sistema comunal, dos baldios, as instituições de micro-goberno por baixo do concelho: da freguesia a assembleia de lugar, tão próprias da Galiza como de Portugal, mas que aqui de este lado da raia sem o referendo institucional terminaram esmorecendo. Sem idealizar, o certo é que há muito de nós lá, de uma Galiza que foi, assim como de de uma que pudendo ser nunca foi. 

Casa da Junta de Freguesia de Pitões

Mas não vou perder-me em divagações agora, esta imagem caro leitor que tens acima é do São João da Fraga. A esta ermida no alto da serra sobem ainda os moços não casados de Pitões justo hoje na véspera do São João para depois cortar na fraga mais abaixo o "Carvalho de São João" , que logo levam coletivamente entre todos eles ao povo para o plantar ainda com as verdes folhas coroando seu toro num lugar determinado para a festa que se sucedera logo à noite. 

árvore ou pau de maio repressentado em uma pintura de Francisco de Goya intitulada "La Cucaña"

Qualquer que saiba um pouco de antropologia e etnografia europeia, de seguida reconhecera os elementos nodais de este rito: 

a) O santuário em lugar liminar,  alongado e de acesso difícil com respeito ao nucleo da comunidade.

b) A participação no rito circunscrita aos moços em período liminar entre menino e homem adulto, cumplindo assim a função de rito de passagem 

c) O corte e colocação da árvore que entronca com esse tipo de ritos que tão bem estudara Julio Caro Baroja, como formando parte de um mesmo ciclo anual, o chamado "ciclo de maio" que, apesar do nome, cobre, em realidade, desde meados ou finais de abril ate o já o solstício com o São João e pouco depois o São Pedro, também associado a ritos ígneos

 c) E por último o conhecido ritual do lume propriamente dito, a fogueira do São João a que a árvore (o carvalho do santo) em este caso fica unida também como parte da cenografia geral da festa

Caldeirão de Gundestrup abaixo os guerreiros parecem portar ou suster uma árvore ou elemento vegetal que serve de divisor da composição, a jeito tal vez de Árvore de Maio

Este é um conjunto de elementos que vincula ritos cíclicos de renovação da natureza que se afundem no mais profundo passado europeu junto com ritos de passagem de não menor profundidade diacrónica e semântica. Uma boa mostra de porque como mostra o meu caro colega e amigo Pedro R. Moya Maleno na sua tese a etnografia se torna em um ferramenta útil, quando não essencial, para acesar a elementos da cultura imaterial dum passado proto-histórico que senão nos ficariam profundamente veados e/ou diretamente invisíveis.

Boa noite de São Jõao a todos!

Algo de bibliografia:

Caro Baroja, J. (1992): La estación del Amor. Fiestas populares de mayo a San Juan. Circulo de Lectores. Barcelona

Moya-Maleno, P. R (2020): Paleoetnología de la Hispania Céltica, Etnoarqueología, etnohistoria y folklore. BAR International Series Nº 2996, 2020,  2 Vols   
   

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