sábado, 8 de junho de 2024

Dinastias da Idade do Ferro


Um estudo recente sob a cultura de Hallstatt Ocidental acaba de abrir uma pequena fenestra as relações de parentesco das elites desta cultura centro-europeia. Parte da análise paleo-genetica e isotópica dum total 31 indivíduos durante um lapso de 416 anos (616-200 A,C), concentrados vários locais de elite em uma ampla região do sul de Alemanha. 


A amostra esta formada por 7 enterramentos do estado de Baden-Württemberg, nomeadamente o grande túmulo Magdalenenberg, os túmulos de Eberdingen-Hochdorf, Asperg- Grafenbühl, e Ludwigsburg-Römerhügel, o enterro principesco de Ditzingen-Schöckingen, o assentamento de Heuneburg e o local ritual Alte Burg. dos 31 indivíduos 20 foram identificados como de sexo masculino e os 11 restantes como femininos.  


Laços de parentesco e dinastias

O estudo permitiu estabelecer diversas conexões de parentesco que amostram a existência de autenticas dinastias  hereditárias na zona hallstattica ocidental. Significativamente dois dos túmulos mais ricos desta cultura, o conhecido túmulo de Hochdorf 1 e o de Asperg amostraram um conexão familiar muito direta (de segundo grau) entre os indivíduos enterrados neles. 

Ambos dois compartiam o mesmo aplotipo no ADN mitocondrial o qual indica um parentesco por linha materna, assinalando-se com um alto índice  de probabilidade (86%) uma relação avulcular (tio-sobrinho), Esta relação entre os enterrados nestes dois túmulos extraordinariamente ricos faz aos autores sugerir a possibilidade de uma forma de sucessão matrilinear dentro duma mesma linhagem principesca:

"nosso modelo de pedigree aponta para uma relação tio materno-sobrinho (modelo mais provável) ou um modelo avô-filha-neto, sugerindo que, neste caso, o poder institucionalizado foi herdado matrilinearmente do potentado. (HOC001), muito provavelmente através da sua irmã, e menos provavelmente através do filho da sua filha (APG001). O primeiro e substancialmente mais provável destes cenários seria congruente com os relatos históricos romanos (posteriores) de avuncularismo entre os primeiros celtas do século V ou IV. 
Hoje, as sociedades organizadas matrilinearmente representam apenas 12-17% da população mundial, sendo a maioria das sociedades organizadas patrilinearmente, um padrão também evidente a partir de estudos de ADNA de comunidades do Neolítico e da Idade do Bronze na Europa. No entanto, são conhecidos casos globais de sociedades pré-históricas em que a liderança hereditária foi transmitida em grupos de descendência matrilinear multigeracional. Para a Europa da Idade do Ferro, a herança matrilinear da realeza está documentada na Etrúria e na Roma Antiga"
Assim esmo topou-se igualmente uma relação de parentesco entre a mulher enterrada no grande túmulo de Magdalenesberg e um enterramento secundário de Hochdorf em terceiro grau, indicando como provável uma vinculação intergeracional entre avo-neta que cobre um período de uns 100 anos entre os dois túmulos entre os quais existe uma distância de cerca 100 km. 




O registo isotópico permite identificar o lugar de origem do homem enterrado nesta tumba da Hochdorf na região próxima a Magdalenesberg, o qual parece mostram um padrão de circulação matrimonial e localidade cambiante entre os dois locais num lapso de 3 gerações.



Uma terceira relação de parentesco de segundo grau entre uma mulher e um homem de Magdalenesberg que junto com outros parentes seus, mais distantes, compartiam parentesco do sexto ao oitavo grau com um homem enterrado em Hochdorf. Estes dois indivíduos pertencia a uma fase inicial da necrópole e estavam, portanto, potencialmente associados à família fundadora.




Segundo os isótopos de estrôncio tanto o homem como a mulher procederiam da região de Neckar onde se situam as necrópoles de Hochdorf, Asperg e Ditzingen. Igualmente se observou uma relação genealógica entre o enterramento principal de Magdalenesberg e os seus enterramentos secundários, o qual confirma a interpretação de Magdalenenberg como um cemitério para um "grupo de parentesco"  formado por uma 'família ampliada. 

As relações de parentesco e endogamia que se observam entre indivíduos de Magdalenesberg e Hochdorf e de este com Asperg ao longo de uma zona geograficamente muito ampla e durante um período de tempo de uns 140 anos mostram a emergência uma forte hierarquia linhagens hereditárias muito interconetadas regionalmente através do matrimonio e uma forte mobilidade, observando-se mesmo estratégias de matrimónio entre primos-cruzados

Populações e conexões ao  Sul

No terceiro grupo de parentesco de Magdalenesberg se observa um peculiar predomínio de ascendência do pool genético associado aos primeiros agricultores europeus (Early European Farmers = EEF), que apontam a uma origem ultima não local dos ancestrais das elites enterradas em esta necrópole. A mistura genómica observada nesta linhagem amostra uma maior tendência na ancestralidade feminina a proceder do sul da Europa, sendo filogeneticamente coerente com uma origem Norte de Itália ou a Península Ibérica. 

Nos indivíduos da Idade do Ferro estudados não se observam divergência de mobilidade entre mulheres e homens, ao contrario do que sucede durante o Bronze Antigo e Médio no que predominavam as mulheres não locais sob os homens. Tampouco se observa nenhuma associação direta entre a pressença de objetos forâneos (de origem transalpina principalmente) e origem local ou não do enterrado com eles. 



Um caso significativo é o de uma mulher (túmulo 10 de Magdalenesberg) que mostra uma procedência através dos isótopos que indica origem no Norte de Italia ou na Peninsula Ibérica, mas que por contraste não apresenta especial afinidade genética com estas regiões, o qual mostra o complexo das relações e intercâmbio que se da entre elas o Sul de Alemanha durante este momento da proto-história europeia. 




A afinidades meridionais da população hallstattica contrasta com o componente genético predominante na atualidade nestas zonas. A população do primeiro Ferro na região diverge dos alemães atuais estando mais próxima aos francêses atuais e outras populações do sul de Europa, especialmente Itália e a Península Ibérica. 


Igualmente os hallstatticos apresentam uma afinidade genética com indivíduos contemporâneos da França da Idade do Ferro e Bronze, formando parte de um ‘continuum’ genético que os une num arco de populações que vão da Península Ibérica aos Balcães (Hallstatt Oriental), e no que se observa uma forte ressurgência do componente genético dos EEF sob o procedente das culturas estéticas de Yamnaya e Poltavka (Old Steppe =OE).

"Este fenómeno foi descrito anteriormente e pode refletir a mistura contínua com grupos coexistentes noutras regiões predominantemente do sul da Europa, que experimentaram menor fluxo génico de populações relacionadas com as estepes. Faz parte de uma tendência mais ampla de a ancestralidade da EEF se tornar mais semelhante em toda a Europa Central e Ocidental na Idade do Bronze, coincidindo com evidências arqueológicas de intercâmbio cultural intensificado, especialmente durante o período da Cultura dos Campos de Urnas do Bronze Final"

A analise do intenso grau de mistura observado entre estas populações do sul de Alemanha e as mais meridionais (França, Itália e Península Ibérica) descarta um fenómeno populacional singular como seria uma oleada migratória única e aponta um processo mais a longo prazo de continuado de fluxo genético cara o Norte desde estas zonas da Europa onde o impacto da genética estépica fora menor conservando-se mais o pool genético dos primeiras populações neolíticas. 



Este componente meridional no Sul de Alemanha è muito diferente do que se observa na mesma época no Norte de Alemanha, Países Baixos e Escandinávia, onde o componente OE é o que predomina. Esta composição genetica nortenha se estenderia a zona Sul da Alemanha no período lateniense durante o século V e IV A.C, coincidindo com a desintegração das estructuras de poder regionais da zona Hallstattica e com movimentos de povos conhecidos pelas fortes clássicos

"no auge das migrações celtas durante os séculos IV e III A.C, não apenas migraram os 'celtas', mas pelo menos um número limitado de pessoas do centro-norte da Europa chegaram ao sul zona da cultura La Tène e mesmo norte de Itália, possivelmente associada a entidades históricas como os Cimbros e os Teutões. Os registos históricos e arqueológicos não deixam dúvidas de que o desenvolvimento da cultura e da população no sudoeste da Alemanha foi temporariamente caracterizado por profundas descontinuidades, particularmente durante o terceiro ao primeiro século A.C. O fim definitivo dos 2.000 anos de relativa continuidade genética desde o Bronze até a Idade do Ferro no sul da Alemanha é marcado por um aumento repentino e acentuado da ancestralidade relacionada às estepes durante a Antiguidade Tardia e o início da Idade Média. Do ponto de vista genético populacional, isto é congruente com a chegada de tribos de língua germânica do norte da Alemanha ou da Dinamarca durante o período de migração"
Com tudo os autores observam que ainda sendo minoritário atualmente na Centro-Europa o componente genético dos EEF adquire o seu topo justo na região meridional da Alemanha e alpina precisamente coincidindo com o antigo núcleo da cultura de Hallstatt. O artigo em definitiva amostra um panorama muito complexo que abre novas questões e caminhos que transitar para reprantear arqueológica e historicamente o problema das conetividades proto-históricas no Ocidente da Europa, incluindo as conexãos bidirecionais entre zonas como Centro-Europa, os Alpes, Italia e a Península Ibérica. 



O qual junto, no caso desta ultima,  com o papel que tèm de transição geográcia e cultural entre o mundo Atlàntico e Mediterraneo, não deixa de sinalar para os arqueologos peninsulares (não podemos sustrairnos me temo a isto) uma complexidade, da qual o nosso conhecimento ê ainda tão provissorio como igualmente sugerente.  

Artigo

Gretzinger, J., Schmitt, F., Mötsch, A. et al. (2024): "Evidence for dynastic succession among early Celtic elites in Central Europe" Nature Human Behaviour   DOI: 10.1038/s41562-024-01888-7 


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