Recentemente publicou-se no servidor BioRXiv a versão previa de um artigo, ainda em processo de revisão, sob a genética da zona da Itália ocupada em época antiga pelos picenos. O artigo analisa a ancestralidade genética durante dois períodos: a Idade do Ferro e o período posterior já baixo o domínio romano, observando neste ultima fase uma diversificação genética e um aumento do componente oriental, similar ao que se observa durante o Imperio em outras zonas da Península Itálica, como a própria Roma.
Pelo que toca ao nosso interesse este segunda face cronológica não será tratada focando-nos aqui nas consequências que a parte proto-história tem para a compressão da etnogénese e formação das culturas de esta zona no conjunto da Itália, permitindo votar luz sobre a formação das distintas etnias itálicas durante a Idade do Bronze ao Ferro.
A beira Adriática da Itália central, onde entre os séculos IX e III a.C., se estabeleceu um dos centros mais prósperos das civilizações pré-romanas: os Picenos, tem sido até o momento pouco estudada. Em base a cultura material das necrópoles picenas têm-se argumentado que estas populações tiveram contactos com outras zonas da Europa como Centro-Europa e o Mediterrâneo oriental, especialmente a costa adriática da península balcânica, hã que recordar a presença mais ao sul dos mesápios, povo linguisticamente relacionado com mundo ilírio da outra beira do mar
Para analisar a genética do Picenum pré-romano tomaram-se como base duas necrópoles dos séculos VIII-V A.C (Novilara e Sirolo-Numana), e como termo de comparação independente, para observar as diferenças e similitudes genéticas com a outra face da Itália Central, a necrópole etrusca de Monteriggioni (s. VIII-VI A.C). A análise destas necrópoles permitiu observar um desvio da distribuição genética da Itália Central, sendo deslocada para os italianos do norte atuais e, mais em concreto, para os europeus centrais, sem ficar claro se isto seria resultado no caso do Picenum de contactos com centroeuropa ou bem um efeito do assentamento dos gauleses senones no Norte desta região.
A principal ancestralidade genética nas duas necrópoles picenas estudadas é composta por componentes do Neolítico da Anatólia e dos Caçadores-Coletor Orientais (EHG / Yamnaya; também conhecido como Estepe BA) em cerca de 90%, com apenas proporções menores mesolíticas similares as do jazigo de Iron Gates (Sérvia) e de Caçadores-coletores do Cáucaso (CHG), similar a outros grupos da idade do Ferro itálica
Observam os autores do artigo em isto uma relativa homogeneidade genética das populações itálicas da Idade do Ferro, compartilhada com as culturas previas da Idade do Bronze. No entanto, dentro de esta homogeneidade geral os picenos aparecem ligeiramente mais próximos a populações modernas dos Balcãs e do Norte da Europa que o resto das etnias da Itália, observando-se uma divergência entre a área tirrénica na que etruscos e romanos apresentam similitudes com Sardenha, mentes o grupo Adriático, formado pelo Picenum e Apúlia amostram maiores componentes de ancestralidade estépica.
"Ao
comparar a Idade do Ferro na Apúlia e Picenos (os grupos do Adriático), é
possível observar uma relação simétrica com a Idade do Bronze italiana. Da
mesma forma, os etruscos e os italianos da IF romanos (os grupos do Tirrénio)
estão igualmente relacionados com o pool genético italiano anterior. Por outro
lado, a comparação dos grupos do Tirrénio e do Adriático mostra que o
aglomerado da Idade do Bronze tende a ser mais semelhante às populações do
Tirrénio. Além disso, ... o cluster Idade Bronze italiana resulta estar mais
relacionado ao lado Tirrénio. Este resultado pode sugerir que os lados
Adriático e Tirrénio da Itália foram moldados por diferentes eventos
demográficos após ou durante a Idade do Bronze.
De facto o estudo assinala em quanto a frequência deste componente estépico a similitude das genéticas apenina e balcânica, podendo descrever-se como clados genéticos praticamente irmãos, o qual contrasta com a ausência do componente balcânico no resto da Itália Central.
cerâmica apenínica Bronze Meio (1400-1300 A.C)
Para explicar isto propõem-se dois cenários possiveis: 1) um fluxo genético chegado pelas montanhas do nordeste da Itália durante o calcolítico que teria sido detido pela cordilheira dos Apeninos, e 2) a chegada por mar de este fluxo desde a outra beira do Adriático por contactos continuados durante a Idade do Bronze e Ferro. De estas duas possibilidades, a
segunda perece a mais congruente com a realidade arqueológica:
"Do
ponto de vista arqueológico, as extensas ligações entre as duas penínsulas ao longo
da Bronze e Idade do Ferro estão bem caracterizadas. Fortes rotas comerciais
trans-Adriáticas já estavam presentes a partir do terceiro milênio A.C .
Durante o início da Idade do Bronze, a cultura Cetina, embora enraizada na
costa da Dalmácia, espalhou-se por todo o Adriático, chegando eventualmente à
Sicília, Malta e Grécia Ocidental. Estes contactos persistiram ao longo do
Bronze e durante a Idade do Ferro foram fortemente consolidados. Na verdade, a
extensa presença de traços culturais partilhados nos dois lados do Mar
Adriático permitiu que alguns autores descrevessem uma “koiné Adriática”
(cultura Adriática) para enfatizar esta circulação de mercadorias e talvez de
indivíduos".
Igualmente, os autores assinalam a
presença de um forte componente centro-europeu em indivíduos particulares das
necrópoles estudadas como resultado dos contactos pré-históricos entre a
cultura de Hallstatt e Centro-norte de Itália e o Danúbio, não sendo tampouco descartável a influxo do já citado assentamento de gauleses no Norte do Picenum como elemento a ter em conta
A
discrepância genética com as populações do tirrénio poderia estar condicionada
pelo geografia, atuando os Apeninos como uma barreira limitante dos contactos com o resto da Itália Central circunscrevendo á área picena e apula a influencia
genética balcânica chegada pelos contactos trans-adriáticos:
"No
geral, combinando evidências genéticas e arqueológicas, sugerimos que o Mar
Adriático era um foco de ligações comerciais, sociais e genéticas entre as duas
penínsulas, com as populações que viviam nas suas costas diretamente envolvidas
nas trocas. É possível que, na paisagem altamente interligada do Mediterrâneo
na Idade do Ferro, cadeias de montanhas como os Apeninos possam ter sido uma
barreira maior à circulação de pessoas do que pequenas extensões de mar como o
Adriático. No entanto, é possível que outros fatores (por exemplo, barreiras
culturais) tenham contribuído para o quadro emergente do conjunto genético
Itálico da Idade do Ferro."
O que amostra, ao nosso ver, a micro-história arqueogenética de esta região e a importância dos
componentes geográficos entanto que limitantes ou favorecedores da interação
entre pessoas e culturas. Não é uma imagem, se o pensamos, tão estranha a fim de contas no conjunto da história europeia previa à revolução do transportes e a criação de grandes infraestruturas viárias capazes de salvar acidentes geográficos muito pronunciados (vid. por exemplo Ruíz-Galvez 1998).
A cordilheira dos Montes Apeninos
Um contexto no que movimentos por terra eram lentos e dificultosos, e acidentes como rios ou montanhas podiam converter-se em autenticas barreira insalváveis entre zonas situadas a escassa distância, no entanto, os rios e as superfícies marinhas se ofereciam coma autenticas vias rápidas privilegias de contacto entre áreas muito afastadas em princípio. Um pequeno exemplo que pode ser muito ilustrativo para outros caso da proto-história europeia.
Artigo
Ravasini, F. et alii: "The Genomic portrait of the Picene culture: new insights into the Italic Iron Age and the legacy of the Roman expansion in Central Italy" (pre-print)
BioRXiv DOI: 10.1101/2024.03.18.585512Bibliografia complementar
Blake, E. (2016): Social Networks and Regional Identity in Bronze Age Italy. Cambridge University Press. Cambridge
Ruiz-Gálvez Priego (1998): La Europa atlántica en la edad del bronce: un viaje a las raíces de la Europa occidental. Crítica. Barcelona.
Sem comentários:
Enviar um comentário