O cavalo se mostra como montura dos deuses, tirando do do carro solar, do qual as os deuses solares Hélios (Grécia) e Suria (Índia) e seus carros são o paradigma. e o chamado "carro solar" de Trundholm a sua manifestação proto-histórica. Cavalos frequentemente alados, assistentes de heróis como Pégaso, ajudante de Perseu e Belerofonte.
Esta peculiar ambivalência entre os aspetos luminoso e escuro, divino e demoníaco, se amostra especialmente em alguns cavalos sobrenaturais, o próprio Pégaso se diz numa das versões do sua origem fora engendrado pelo sangue que caiu da cabeça dum monstro tão terrivel como a gorgona Medusa.
Origem monstruosa que topamos também no escandinavo Sleipnir o corcel de oito patas (expressão da velocidade mesma) do deus supremo Odhin. Segundo as Eddas Sleipnir foi parido pelo deus Loki sob a forma de égua. após ser fecundado por um cavalo troll. Sleipnir filho do maligno deus tramposo e do cavalo sobrenatural dos gigantes (trollar) antagonistas dos deuses, se converte emporiso na montura do pai dos ases.
Isto contrasta com que o resto dos filhos de Loki são monstros, como a Serpe de Midgar ou Lobo Fenhrir, destinados a enfrentar-se e matar aos deuses, ou devorar ao sol e a lua no grande conflito cosmogónico ao final do tempos.
Em paralelo ao Sleipnir o potro de 8 patas na Índia encontramos a Uccaisravas o cavalo branco de 7 cabeças, montura de Indra. o deus guerreiro e soberano, e do qual descendem todos os cavalos. Uccaisravas aparece em ocasiões também tirando ele sozinho do carro solar de Suria, mas também associado em ocasiões ao rei dos demos (asuras) Vala.
Uchchaisravas surge junto com outro “tesouros” como resultado de um evento mítico central da mitologia hindu, o “Batido do Oceano de Leite” realizado em comum por asuras e daevas. Segundo uma tradição Vala teria-se apoderado do cavalo após este sair do oceano primigenio.
Keshi vs Khrisna
Um dos combates equideos mais expectaculares neste sentido encontramo-lo na India, onde se narra o enfrontamento entre
Khrisna encarnação (avatar) do deus Vishnu e Keshi, literalmente “o Caveludo”-
um asura (demo) com forma de cavalo. Keshi foi mandado pelo tio do proprio
heroi, Kamsa (el mesmo um asura encarnado) ao qual uma profecia lhe anunciara a sua futura morte a mãos de seu sobrinho
O Vishnu Purana descreve
expressivamente a Keshi como um terrivel corcel capaz na sua ferocidade de conmocionar e infundir
terror na criação enteira:
“Keshin, confiando na sua
destreza, tendo recebido o comando de Kamsa, partiu para (as florestas de)
Vrindavana, com a intenção de destruir Krishna. Vinha sob a forma de corcel,
desprezando a terra com os seus cascos, espalhando as nuvens com a sua crina e saltando,
nos seus passos, para além das órbitas do sol e da lua. Os vaqueiros e as
vacas, ouvindo os seus relinchos, ficaram aterrorizados e fugiram para Govinda
em busca de protecção, pedindo-lhe que salvasse os animais.”(Vishnu Purana XVI)
Mas Krishna não so atemoriça e
quando Keshin morde ao heroi tentando devora-lo os seus dentes rompense contra
o braço dele que se expande sufocando ao mostro até partir em dois o corpo da
besta demoniaca:
“O demónio
correu contra ele, com a boca bem aberta; mas Krishna, alargando o seu braço,
enfiou-o na boca e arrancou-lhe os dentes, que lhe caíram do maxilar como
fragmentos de nuvens brancas. Ainda assim, o braço de Krishna, na garganta do
demónio, continuou a aumentar, como uma doença aumentando ... os lábios
rasgados do demónio vomitaram espuma e sangue; os seus olhos reviraram-se em
agonia; as suas juntas cederam; bateu na terra com os pés; o seu corpo estava
coberto de suor; tornou-se incapaz de qualquer esforço. O formidável demónio,
tendo a boca aberta pelo braço de Krishna, caiu, despedaçado, como uma árvore
atingida por um raio. Estava deitado separado em duas partes, cada uma com duas
pernas, metade de costas, metade de cauda, uma orelha, um olho e uma narina.
Krishna permaneceu ileso e sorridente” (Vishnu Purana XVI)
Hayagriva vs Mastya
A tradição hindu conhece os monstros equideos além
de Keshi, outro celebre asura com forma –ao menos parcial- de cavalo é
Hayagriva, literalmente “cabeça de cavalo”. Este demo roubou da boca do deus
Brahma os vedas aproveitando o sono no que este entrou ao terminar o ciclo
cosmico.
“No fim do
último kalpa, no fim dos dias de Brama, houve uma destruição periódica. A terra
e outros mundos foram inundados pelo oceano. O poderoso criador sucumbiu ao
tempo e procurou um lugar para dormir. Nesse momento, Hayagriva saiu-lhe da
boca e, aproximando-se dele, roubou os Vedas” (Bhagavata Purana, VIII)
O episodio se
situa dentro do cenario do grande diluvio universal que bem a clausurar destruindo-a
uma idade mais do mundo, o que obriga a Hayagriva a se agochar nas água dentro
de uma concha. Para recuperar o livros sagrados Vishnu adopta a sua primeira
encarnação, a dum grande peixe (Mastya) forma com a que se enfronta a Hayagriva dentro
das poprias aguas marinhas. Outras verssões atribuem a adopção de uma outra forma a
Vishnu na luta contra Hayagriva, a dum home com cabeça de cavalo chamado
por isso ele também Hayagriva.
Asopa vs Tiistrya
Dentro do
ambito iraniano atopamos igualmente algumos outros cavalos monstrossos, o cavalo
saido do mar que mata de um couçe a Yazdagerd I (do que já temos falado aqui) e
sobre tudo o demo Apaosha que se faz com o control do lago ou mar Vourukasha do
qual procedem todas as águas, provocando uma seca universal. O proprio nome
deste cavalo demoniacos refire a este facto pois se tem explicado como um
derivado de *apa-uša “queimando”, *apa-vṛt(a)- “contendo as águas” ou do
abjetivo *a-pauša “não próspero”.
Apaosha se
mostra como um cavalo totalmente preto: “Apaosha, sob a forma de um cavalo
preto com orelhas pretas, preto com o dorso preto, preto com a cauda preta,
marcado com marcas de terror”. Para se enfrontar a ele o deus Tiistrya
adquire a forma de uma corcel branco, apõs experimentar outras 2 metaformoses
sucessivas. Os dois cavalos se enfrontam por tres vezes, até que finalmente no
ûltimo combate Tiistrya consegue superar por fim a seu rival e liberar às águas:
“Eles
encontram-se, casco contra casco, ó Spitama Zarathujtra! o brilhante e glorioso
Tistrya e o Daeva Apaosha; lutam juntos, oh Zarathustra! até à hora do
meio-dia. Então o brilhante e glorioso Tiistrya mostra-se mais forte que o demo
Apaosha, ele vence-o... A vida das águas fluirá sem restrições para os campos
de milho com sementes grandes, para os campos de pastagens com sementes
pequenas e para todo o mundo material!" (Avesta, Yast III. 20-30)
A obvias
similitudes entre os mitos da luta contra Hayavriga e Apaosha que fazem pensar
em um contexto indo-iraniano comum, a pressença do mar como cenario da luta (já
seja o mitico Vourukasha ou o Diluvio), a importancia cosmogõnica da acção do
mostro já seja através do apoderamente dos vedas necessarios para a realização
do rito, ou da negação das águas que ameaça converter o universo num ermo
deserto, e o caracter equino -ou semi-equino- de ambos dois contendentes.
Herakles lutando contra as éguas de Diodemes, kylis de figuras pretas
Herakles e as éguas de Diomedes
Longe de este
contexto tão trascendente e cosmologico se situam os parapelos gregos, onde
se descrevem varios casos de equideos devoradores –que recordam algo a Keshi- como
as éguas do carro de Glauko que este alimentava com carne humana, dieta em
ocasiões explicada pelo facro de que estas descenderam das arpias, até que apõs
cair dos seu carro foi devorado ele mesmo pelas bestas. Mas, sem duvida, o caso mais celebre de equideos canivales o temos na éguas de Diomedes,
vencidas por Herakles dentro dos seus trabalhos.
“Empreendeu
então o trabalho de trazer as éguas de Diomedes, o trácio. Tinham bebedouros de
bronze por causa da sua ferocidade e eram presas com cadeias de ferro por causa
da sua força. Como alimento, não tomavam o que a terra produzia, mas sim os
membros dos estrangeiros que elas próprias cortavam em pedaços, com o qual
tinham como alimento a desgraça das pobres victimas.”
As éguas de Diomedes, pela artista Elise Gauthier
Após derrotar aos animais Haracles consigue domestica-las dando-lhes a comer a seu proprio
dono, apòs o qual depois estas ficaram mansas como qualquer outro animal normal sendo oferecidas a deusa Hera, convertindo-se elas e os seus descentes num
rebanho semi-salvagem consagrado a deusa:
Hércules, para as domesticar, deu-lhe de
comer ao seu dono Diomedes e, uma vez satisfeito o apetite daqueles animais com
a carne daquele que lhes ensinou o mal, conseguiu domesticá-las. Quando as
éguas lhe foram trazidas, Euristeu consagrou-as a Hera, e aconteceu que a sua
descendência continuou a ser consagrada até ao reinado de Alexandre, o
Macedónio” (Estrabão VII. 331)
O detalhe de
referir a continuidade de este manada sagrada até a chegada da epoca de
Alexandre Magno é interessante porque enlaça as éguas de Diomedes com as
tradições sob Bucefalo. o cavalo do conquistador macedonio, a quem atribuiam uma
conducta antropofaga antes de ser domado pelo heroi.
Alexandre e Bucefalo, Domenico Maria Canuti s. XVII
Alexandre e Bucefalo
Conta o Speudo-Calistenes como
Filipo ao descobrir a natureça antropofaga do poldro decidiu utiliza-lo como
metodo de ajustizamento para os traidores ao reino:
Então
ordenou aos seus servos que lhe construíssem uma jaula de ferro e o fechassem
nela sem restrições.—E aos rebeldes contra o meu reinado e os que foram
condenados por desobediência à lei ou banditismo, botadelhe-os!. E assim se fez
como o rei ordenou”
Isto sucede
assim até que um jovem Alexandre se topa com o cavalo e a sua peculiar prissão
e provindencialmente doméstica ao animal, que aceita sem preblemas o seu dominio. cumprindo
assim uma profecia que augurava a soberania universal para aquel que montara a
Bucefalo:
“O cavalo,
que ouviu a voz de Alexandre, relinchou pela segunda vez, não como sempre, de
uma forma terrível, mas suave e clara, como se fosse impulsionado pela
divindade. Depois, quando Alexandre se aproximou da jaula, o cavalo
estendeu-lhe as patas dianteiras e mostrou-lhe a língua como se lhe quisesse
mostrar que era o seu verdadeiro dono. Alexandre observou a admirável imagem do
cavalo e os restos mortais de muitos homens condenados à morte espalhados à sua
volta e, deixando os seus guardas abrigarem-se, ordenou que a jaula fosse
aberta. Apoiando-se nas suas costas, saltou sobre ele sem rédeas e guiou-o pela
cidade de Pella. Um dos cavaleiros correu a anunciar o facto ao rei Filipo que
se encontrava fora da cidade. Filip lembrou-se do oráculo e saiu imediatamente
oráculo e saiu imediatamente ao encontro de Alexandre e abraçou-o dizendo:—Salve,
Alexandre, imperador do universo!”(Pseudo Calístenes, I,13)
Compre
destacar que as dois mitos gregos (o de Diomedes e o de Bucefalo) difirem da
variante indo-irania na pacificação final do animais após o encontro e derrota pelo o
heroe, e não implicam a morte como no caso de Keshi,
Hayagriva ou Asopa, tal vez por ser estes ùltimos irreconciliaveis pelo seu caracter maligno, no esquema duralista tanto do mazdeismo como no do conflicto hindustica de asuras e devas. Emporiso, no caso de Bucefalo este termina convertindo-se em
assistente do heroi nas sua conquista asiáticas.
O Lith Macha e Cú Chulain
Esta variação parece
estar pressente também na Irlanda onde os dois cavalos sobrenaturais, o “Gris de Macha” (Lith
Mach) e o “Preto de Saingliu” (Dub Sainglend), que tiram do carro de combate do grande heroi
do ciclo epico CúChulain, foram conseguidos pelo heroi através de um curiosso
procedimento.
“Na verdade
isso foi assim, esse foi o dia em que ele consegui o seu corcel, o Cinzento de
Macha (Liath Macha) em Lind Leith cerca de Sliav Fuait. Ao sair do lago,
Cuchulainn achegou-se até ele e colocou as duas mão ao redor do pescoço do
cavalo até que os dois iniciaram uma luta, e desta forma lutando deram a volta
a Irlanda, até que nessa noite Cuchulainn veio perseguindo com o seu corcel
(lit. cavalo de condução) para Emain. Trouxe da mesma forma ao Preto de Saingliu
(Dub Sainglend) desde o Lago Dubh
Sainglenn (Festim de Bicriu, 31-32)
A luta com
o Gris de Macha adquire a forma de um autentico combate corpo a corpo, que não
deixa de recordar a alguns metodos utiliçados dos nosso "aloitadores" nos curros de verão, como o de Sabucedo, para someter e inmovilizar às bestas quando se lhe cortam as crinas.
Mas bom, deixando este semelhança etnogrãfica intuitiva, outros detalhes são interessantes: como que cavalo e heroi no seu combate circumbalem em um noite toda a Ilha de Irlanda, e
que pareçam faze-lo na mesma direção que o curso solar, ou ainda mais
destacavel o facto de que tanto o Lith Macha como o Dub Sainglend saiam das
águas dum lago, pelo que podem ser identificados com a figura tipica do denominado no
folklore irlandes e escoces como Each Uishge “Cavalo da Água”: cavalo sobrenatural, ao que
as lendas lhe atribuem frequentemente habitos antropofagos e afundir nas águas
aos desgraçiados que montam em eles na ignorància da sua natureza sobrenatural
Variações sob um mesmo tema comum?
Pelo que de
novo estariamos no caso dos corceis de Cú´Chulain ante bestas potencialente malignas, mesmo antropofagas, que derrotadas pelo heroi são mudadas nos seus asistentes. Voltando a questão
inicial e vendo os divergentes destinos que temos visto do cavalo monstroso (de sua aniquilição á converssão em aliado do heroe), consideramos como um possibilidade
probavel que a ambivalencia dos cavalos sobrenaturais em geral no mundo
Indo-Europeu: destrutor-defactor, ctonico e divino, escuro e solar, asociado a
morte mas heroizador, respondam a um mesmo padrão conceitual
Sistematização dos elementos do topos do cavalo sobrenatural no mundo
indo-europeu, elaboração do autor
O qual tal vez, exprime a
primitiva percepção do homem pré-histórico no momento inicial da domesticação
dos equideos, um processo longo e complexo no que se faz explicita a ambivalencia
dum animal salvagem e potencialmente perigosso mas que podia tornar dozil e uma
ajuda para o ser humano após ser submetido. Possivelmente aqui este boa parte da explicação ultima que da
lugar as multiplas antinomias da figura do cavalo no ambito cultural
Indo-Europeu e das que este ciclo da luta entre o heroi e o cavalo demoniaco não é mais que uma pequena mostra. .
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