O período que inclui o calcolítico e o Bronze Antigo na Europeia na Europa envolveu fortes mudanças sociais drásticas que resultaram numa forte centralização política, crescente desigualdade económica e em perturbações demográficas e de povoamento marcadas pelo predomínio de uma carrega genética nas populações genéticas procedente em origem da Estepe do Mar Negro.
Este conjunto de fundas mudanças sociais e humanas fizeram-se especialmente visíveis em alguma regiões específicas, como Central-Europa, a Bretanha, o sul de Inglaterra ou sudeste da Península Ibérica, onde a distribuição desigual da riqueza, refletida nos bens funerários, se torna evidente especialmente na chamada cultura do Argar do Bronze Antigo.
O complexo argárico, cobre o período de ca 2.200-1.550 A.C, (cronologia calibrada). O povoamento argárico espalha-se durante este escopo temporal desde as planícies costeiras até as terras do interior chegando a cobrir esta cultura arqueológico no topo uns 35.000 km 2 em seu pico. Seus assentamentos densamente situam-se na parte cimeira de colinas, chegando a alcançar extensões de 5 hectares, e mostram uma clara hierarquização com evidências de grandes edifícios públicos e importantes estruturas funcionais de abastecimentos de aguas OU relacionadas com o processamento a grande escala de cereais, obras de irrigação, e unidades artesanais especializados na produção cerâmica e metalúrgica.
Edificio de reunião do jazigo de La Almoloya
Todo isto delineia a imagem do mundo argárico como uma sociedade de profunda complexidade social e económica com evidentes signos de hierarquia social que se fazem visíveis na riquezas dos enterramentos elitares das necrópoles argárica. Em este sentido os enterramentos argáricos apresentam um marco perfeito para o estudo de caso das relações de parentesco nas sociedades pré-históricas.
Até agora esta questão fora unicamente abordada desde a metodologia arqueologicamente convencional, através o estudo de enterramentos duplos típicos de esta cultura que envolvem uma parelha adulta, ou uma criança e um indivíduo adulto; mas o desenrolo da paleo-genetica tem aberto a possibilidade de estudar as relações de parentesco entre a elite argárica com uma maior precisão previamente impossivel
O modelo tradicional interpretava estas sepulturas duplas como evidência de casais heterossexuais e monogâmicos (' casamentos') base de famílias nucleares. No obstante um recente estudo desde o ponto de vista da genética do jazigo argárico de La Almoloya aporta uma perspetiva muito distintas apontando a existência de uma maior complexidade nas práticas que organizam as relações de parentesco na sociedade argárica.
Em base a uma ampla amostra reconstrui-se a estrutura genealógica da necrópole da La Almoloya conseguindo isolar 7 grupos familiares diferenciados sincrónica e diacrónicamente as relações de parentesco de 1º e 2 grau e além (até o 6º e 7º grau) entre os adscritos a cada conjunto genealógico chegando a uma amplitude de cinco gerações.
As evidências,
segundo os autores do estudo, apontam a um predomínio entre a aristocracia
argárica da exogamia feminina e a patrilinearidade, envolvendo com muita
probabilidade praticas de intercâmbio de mulheres entre linhagens de distintos
assentamentos como os são conhecidos pela casuística antropológica
“A visão combinada
dos resultados inclina-se para a prática da exogamia feminina e da
patrilocalidade, em que as jovens mudam-se para uma residência diferente para
construir novos relacionamentos. As fêmeas adultas enterradas em sepulturas
duplas dão suporte a essas práticas, pois não têm pais enterrados no local e,
além dos descendentes, também não têm outros parentes adultos, o que sugere que
vieram de fora da comunidade e foram integradas através da união com machos
locais, podendo assim ser considerados companheiros de machos de linhagem. É
importante ressaltar que o fato de não encontrarmos relações de 1º ou 2º grau
entre mulheres adultas em La Almoloya sugere que esta prática era recíproca e
que as jovens de La Almoloya também se mudaram para outros locais. A
patrilocalidade não implica necessariamente a ausência de mobilidade dos homens
adultos. Na verdade, os nossos resultados também apoiam uma mobilidade
substancial para ambos os sexos, como demonstrado pela presença de menos
parentes de 2º grau do que de 1º grau no local. No entanto, a capacidade de
rastrear linhagens masculinas através de gerações pela presença de descendentes
masculinos adultos, mas não de descendentes adultos femininos apoia a
patrilocalidade apesar da mobilidade masculina e feminina.”
Com tudo junto a este padrão predominante, o estudo observa uma curiosa desproporção entre o número de mulheres e de homens dentro dos grupos definidos, o que lhes permite inferir que junto como este padrão patrilocal e patrilinear vinculado a exogamia feminina e intercâmbio (tal vez reciproco) de mulheres funcionaria em paralelo um sistema de exogamia masculina, pelo que parte dos homens das linhagens que ficariam fora da herança casavam fora do seu assentamento original integrando-se matrilocalmente na comunidade da sua esposa.
“Alternativamente,
a proporção desequilibrada entre os sexos entre os adultos nos cemitérios
argáricos pode ser responsável por um “excesso” de mulheres e não por uma falta
de homens. Este cenário envolve não apenas um número substancial de mulheres
que chegam, mas também práticas matrimoniais consistentes com ele, ou seja, sob
a forma de poliginia ou de monogamia em série. No entanto, a exogamia feminina
por si só não explica todas as formas de mobilidade que poderiam ser inferidas
a partir dos dados de La Almoloya. Enre os homens, a falta de evidências de
irmãos e meio-irmãos adultos sugere que a patrilocalidade pode ter sido
restrita a certos homens, enquanto outros deixaram o local. Os homens podem ter
saído do seu local de nascimento como parte de práticas de exogamia masculina,
atribuição a outros assentamentos, ou processos de migração/colonização ligados
à expansão territorial argárica. Estudos futuros sobre o ADNA de pessoas
enterradas em locais diferentes de La Almoloya contribuirão ainda mais para
testar estas possibilidades.”
Estes resultados amostram uma maior complexidade dos enterramentos duplos argáricos, nos se combinam predominantemente tanto mulheres forâneas junto a homens locais como o caso contrario, o qual encaixa com um tipo de comportamento frequente entre grupos aristocráticos com padrões matrimoniais complexos nos que uma certa ambilinearidade das relações de parentesco dentro de uma linha dominante já seja matrilinear ou patrilinear como resulta ser o caso argárico, serve de instrumento flexível para estabelecer alianças políticas e familiares entre linhagens aristocráticos dentro de um território amplio.
Outra aportação novidosa do estudo é a possibilidade não contemplada agora, mas que se mostra como fatível na diversidade de relacionamentos entre os descendentes de um único varão, mas com distintas madres, é a possível presença de casos de poliginia ou do matrimónio sucessivo na cultura do Argar.
Em resume, o artigo é um bom exemplo das possibilidades que as técnicas de análise paleo-genética abrem a uma questão tâo crucial para entender a organização social das culturas do passado como é a organização do parentesco; possivelmente a aportação maior e mais crucial que, na atualidade e num futuro próximo, a genetica pode oferecer a Arqueologia.
Artigo:
Villalba-Mouco, V., Oliart, C., Rihuete-Herrada, C. et al. (2022): "Kinship practices in the early state El Argar society from Bronze Age Iberia"
Nature Sci Rep 12, 22415
DOI: 10.1038/s41598-022-25975-9
Bibliografia complementaria:
Ensor, B.E. (2013):
The Archaeology of Kinship: Advancing Interpretation and Contributions to Theory. University of Arizona Press pdf
Fox, R. (1980): Sistemas de parentesco y matrimonio. Alianza. Madrid. pdf
Levi-Strauss, Cl (1982):
As estruturas elementares do parentesco. Editora Vozes. Petrópolis
pdf
Postagem relacionada: A Princessa Argárica da Almoloya
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