terça-feira, 8 de abril de 2025

Relações sociais e genéticas na Irlanda neolítica


Num artigo publicado no Cambridge Archaeological Journal, Neil Carlin e os seus colaboradores têm questionado um hipótese anterior apressentada por Cassidy em de um celebre artigo  (Cassidy et alii, 2020) no qual partindo da análise do ADN Antigo de Grã-Bretanha e Irlanda, chegava-se a conclusão de que o enterro nos grandes túmulos de corredor durante o Neolítico esteve restringido aos membros de grupos dinásticos hereditários. 

Além de simplificações e preconceitos

Antes de entrar nisto, e no modelo alternativo que propõem, Carlin et alii fazem uma série de críticas a alguns pressupostos que tem dado lugar a visões algo simplistas em ocasiões por parte dos geneticistas à hora de enfrentar-se ao registo arqueológico, e que coincidem basicamente com a postura e criticas que alguns temos feito neste sentido desde o campo da arqueologia.


Os autores amostram igualmente que, tras a irrupção da chamada "Revolução paleo-genetica". se tem dado uma evolução desde estudos inicialmente centrados em descobrir processos migratorios a grande-escala a uma aproximação mais limitada e aprofundada dos contextos locais e focada sobre tudo no estudo das redes de parentesco.


Este processo não é apenas, a nosso ver. um mero resultado do próprio refinamento da disciplina ao longo da sua evolução, senão também de uma toma de consciência crescente por parte dos paleo-genetistas da complexidade real que ha detrás do registo arqueológico e a sua interpretação. Isto decorre conjuntamente com uma colaboração cada vez mais estreita entre arqueólogos e geneticistas, e com o facto de que, trás um deslumbramento inicial, no que em ocasiões se assumiram de jeito automático as conclusões iniciais (em ocasiões precipitadas) da genética, os arqueólogos têm assumido -ao mesmo tempo que os paleo-geneticistas- uma visão mais critica das relações entre ambas as duas disciplinas (1):

"... há agora uma tendência crescente em fornecer narrativas específicas de período, região e local abordando relações sociais numa escala menor, notavelmente centradas no parentesco. Esses desenvolvimentos estão a levar os arqueólogos a serem muito mais claros sobre como os processos sociais no passado operavam. Em particular, a incorporação do ADN Antigo em narrativas sobre poder merece consideração adicional, se não quisermos repetir padrões já criticados em estudos anteriores sobre ADN Antigo. Estes incluem uma consciência insuficiente das tradições de interpretação em arqueologia; uma omissão de detalhes-chave do contexto arqueológico; e uma tendência a enfatizar o espetacular, em vez de se envolver plenamente com a complexidade das evidências"
A colaboração interdisciplinar é especialmente necessária, pois uma genética não informada pelas categorias da arqueologia ou a antropologia social cairia facilmente em preconceitos que tenderiam a malinterpretar o passado, reificando conceitos do nosso pressente e trasladando-os a contextos nos que não são operativos:

"Como os estudiosos das ciências humanas têm repetidamente deixado claro, as narrativas biologicamente deterministas (que confundem realidades biológicas com identidades sociais) reforçam categorias etnocêntricas e historicamente contingentes do eu e do outro de maneiras que não são apenas incompletas, mas também ativamente prejudiciais (Abel & Frieman2023 ). A genética antiga oferece um novo conjunto de dados sobre povos do passado e seus mundos, mas é apenas uma fonte entre muitas que precisam ser testadas, entrelaçadas e analisadas separadamente para dar sentido às complexas práticas humanas que, em última análise, criaram o registro arqueológico. É preciso permitir que o passado tenha sua diferença."
O artigo incide em que, a pesar da colaboração in crescendo, ainda ficam ao respeito muitos interrogantes sob a relação entre genética e a realidade social das comunidades do pré-históricas, um trabalho por fazer e o que requer a colaboração e o confronto necessário com os aportes da arqueologia.  

Megalitismo e práticas funerárias

A chegada do Megaltismo as Ilhas Britânicas incluída a Irlanda vai acompanhado da expansão das formas de vida e a economia agrícolas, e coincide com chegada de populações de origem anatólico que se foram misturando com os caçadores-coletores do Mesolítico europeu a medida que se produzia a expansão do Neolítico. O mesmo padrão se observa em outros lugares da Europa ocidental e nórdica.


Os recém-chegados neolíticos mostram uma considerável homogeneidade nos seus haplotipos, que sugere que estes grupos de migrantes chegaram a ambas as ilhas a partir desde umas mesmas zonas de origem situadas, com muita probabilidade, no atual norte da França. A este respeito a que ter em conta o papel de nodo geográfico que a Bretanha Armoricâna joga dentro da rede do Megalitismo Atlântico.


Ainda que o declinio de ancestralidade genética dos caçadores-coletores mesolíticos nas Ilhas Britanica durante o megalitico se tem considerado como evidência de uma chegada em masa de agricultores desde o continente, não fica claro que esta seja a explicação mais adequada do fenômeno pois subsistem muitas interrogantes sob a escala de estes movimentos populaçonais, o carater das interações com os caçadores mesoliticos, incluindo o fluxo genètico entre ambos os grupos.

O modelo clássico para a expansão do neolítico europeu de Onda de Avançe (Annmerman & Cavalli-Sforza, 1984) supunha uma imposição genética por efeito da crescente densidade populacional do modo de produção agrícola fronte a caça-recoleção, mas estudos posteriores tem matizado isto mostrando que na difusão do neolítico também está relacionado em algumas regiões europeias, como a Escandinávia ou os Países Baixos (Olalde et alii, 2025) com uma maior continuidade genética, e com a certa aculturação de populações mesolíticas previas (Zvelebil, 1989; Zvelebil, 2009; para o caso irlandês, Green & Zvelebil, 1990).

As Dinastias Ausentes do Neolítico Irlandês

Ao contrario da hipotese de Cassidy o estudo de Calin et alii mostra que não existe relações de parentesco próximo que sejam rastreáveis entre os individuos enterrados nos megalitos irlandeses. De facto quando se observam relações de parentesco estas são frequentemente distantes; a partir do quinto grau ou mais como as que puderam dar-se por exemplo, entre primos de segundo grau ou entre tataravô-tataraneto. 


Pelo contrário, exemplos das Grã-Bretanha, como o túmulo de Hazleton North, no sul da Inglaterra, mostram uma clara conexão genealógica entre os indivíduos enterrados em ele. Quatro das mulheres enterradas em Hazleton North tiveram filhos com o mesmo parceiro masculino, e os descendentes imediatos de estas mulheres principais seguiram ocupando o monumento durante um período de um século. Estes foram colocados sucessivamente em várias partes do túmulo de acordo com a sua descendência das quatro mulheres fundadoras da linhagem.





A mesma conexão familiar se observa em túmulos megalíticos do Continente. como a tumba de corredor de Frälsegården, na Suécia, onde varios mortos foram enterrados em locais específicos em relação a sua descendência de uma linhagem masculina concreta que incluia duas sublinhagens, e que se prolongou durante dois séculos, embora  alguns indivíduos não pertencentes à linhagem também foram enterrados no túmulo.


Segundo os autores, o artigo de Cassidy sofre de um escoramento cara estes paralelos continentais e britânicos onde, sim é detetável uma associação familiar entre os co-enterrados num memso túmulo megalítico, mas que não se correspondem com o padrão observado no Neolítico irlandês, o qual levou a uma interpretação errónea da ancestralidade dos enterrados túmulos irlandeses Poulnabrone e Parknabinnia:

“Padrões mais amplos de parentesco genético masculino foram usados para inferir uma ênfase na ancestralidade patrilinear no Neolítico irlandês, ou seja, que o "enterro" em tumbas estava associado à descendência de uma linhagem paterna ... observaram que isso era corroborado pelo fato de que os haplogrupos Y (herdados de pai para filho) dos sepultamentos masculinos de duas tumbas vizinhas, Poulnabrone e Parknabinnia, eram distintos entre si e permaneceram assim ao longo do tempo. No entanto, três dos oito varões de Parknabinnia não pertenciam ao haplogrupo dominante naquela tumba, portanto, essa homogeneidade genética masculina pode refletir apenas a patrilocalidade”
Hazleton North e Frälsegården são casos claros de associação a parentesco e linhagens familiares dentro de enterramentos megalíticos e igualmente exemplificam dois casos nos que o principio  para a definição de linhagem fora diverso: matrilinear e patrilinear respetivamente, o qual concorda com a reclamação de Ensor (2021) de uma diversidade de padrões de parentesco no Neolitico Europeu. Mas pelo momento esta associação genealógica e a suposta pressença de dinastias parecem totalmente ausentes na Irlanda neolítica..

A definição Social do Parentesco e a Genética

Mas de aquela a que resposta? e que define o direito de ser enterrados num mesmo túmulo?, que tipo de laços pode refletir esta comunidade de enterramento entre individuos além do parentesco obvio e próximo?.  Os autores observam que. se bem a linhagem não parez contituir um factor determinante. sim se podem observar regularidades que amostram padrões de comportamento coerentes em relação a proximidade ou afastamento genealógico:
 
"certamente há algo não aleatório nas relações genéticas de pessoas de túmulos de passagem, mesmo que esse parentesco distante possa não ter sido necessariamente conhecido ou apreciado. Relações reprodutivas com parentes biológicos imediatos e próximos (por exemplo, do primeiro ao quarto grau) foram amplamente evitadas, enquanto aquelas com indivíduos não intimamente relacionados que também usaram túmulos de passagem foram buscadas"
Incidem igualmente Carlin et alii em outro elemento interessante do contexto irlandes, como é a ampla extensão geografica das relações entre individuos enterrados nos grandes tumulos de corredor da ilha, o qual oferece um contraste com situações de endogamia que se observam em outros contextos neolíticos europeus como Malta ou as Ilhas Orcades. Os proprio tumulos de corredor irlandeses como Newgrange amostram na sua propria construção a importância de esas redes a longa distância


Entre os elementos construtivos dos grandes tumulos irlandeses estão pressentes pedras locais junto a outras não-locais traidas algumas de zonas stiuadas a mais de 40 kilometros. Estas interações a grande distância também se percevem na propria cultura material topada nos tumulos que apressenta items liticos originais de distintos lugares.  


A propria construção supõe um esforço humano consideravel, que ainda que se tivesse prolongado ao longo de varias gerações nas suas diversas fases construtivas, precissaria de um importânte inversão de força de trabalho, que possivelmente excederia a propria capacidade de mobimentação de efetivos humanos de um grupo puramente local.

As populações suparlocais, assim agrupadas na contrução dos grandes tûmulos, partilhariam também não apenas as obras senão a vida ritual que se desenrrolaria en torno a estes complexos megaliticos. O alinhamento dos grandes tumulos de corredor com respeito a eventos ciclicos importantes como os solsticios, indica uma correlação de estes grandes enterramentos megaliticos com festas de tipo saçonal, que reuniriam em torno a eles a uma população procedente de multiples lugares ao longo da ilha


Tomando isto como base os autores plantea, uma interessante hipotese: que estas comunidades formadas por grupos de individuos distantes unidas pela comum construção e ritualidade que se desenrrola en torno  aos grandes túmulos de corredor, poderiam formar a base que define os padrões mortuorios que são observados através da paleo-genética.
   
"Isso corresponde ao quadro geral da Europa Neolítica, onde as pessoas se reproduziam predominantemente com outras que compartilhavam práticas culturais e ancestralidade genética amplamente semelhantes, mas que não eram parentes próximos ... A análise de isótopos de estrôncio de restos humanos tanto do complexo de túmulos de passagem de Carrowkeel quanto do monumento relacionado a eles em Ballynahatty indica que uma população relativamente diversa foi reunida em cada monumento, incluindo alguns indivíduos não locais de fora dessas respectivas regiões Na verdade, os túmulos de corredor 'desenvolvidos' mostram fortes ligações além da Irlanda com a Grã-Bretanha ocidental, especialmente Orkney, mas também a Bretanha e a Península Ibérica"
A concorrencia recorrente de individuos de uns mesmos grupos em torno aos grandes centros megalíticos ao longo do tempo pudo servir de cenario para estabelecer relações humanas e afetivas, que puderam implicar em ocasiões o casamento entre os participantes nestas reuniões, o qual ofereceria uma explicação da inivição de relações de parentesco próximas entre os enterrados nos tumulos junto à pressença de relações genealógicas de quarto grao em diante.


A aparição dos grandes tumulos monumentais de corredor da fase final do Neolítico irlandes parece coincidir com um cambio social a grande escala na Irlanda, que contribui á criação da rede de relações à longa distância que cimenta essas "comunidades imaginadas" que se reunem em torno aos tumulos. Antes do 3600 as grupos locais do neolítico irlandes pareciam ter interagido menos intensamente entre elas. 


Durante esta fase observa-se, as vezes, uma maior proximidade genetica entre os enterrados nos tumulos,  como sucede como o pai e filha enterrados em Primrose Grange ou com o par de parentes de quarto grau em Parknabinnia. Powell. No entanto em Poulnabrone ao longo de mais de 20 gerações de "sepultamentos" percevesse uma ausência de relações diretas de parentesco.


Isto contrasta com as praticas sociais que emergem a finais do 4 Milenio e que estão caraterizadas ao contrario pela frequência e intensidade das interações e longa distância. O contraste se amostra nos proprios carateres dos tumulos megaliticos em esta fase, estes ganham em tamanho e monumentalidade situan-se em locais elevados e muito vissiveis (fronte a escasa preeminencia na paisagem dos tumulos anteriores)


A destacada pressença na paisagem fisica se correlaciona com a sua centralidade na paisagem funeraria, na que os tumulos menores se orientam em relação aos grandes tumulos alinhados com acontecimentos cosmicos como os solsticio.  Isto é exemplificado o complexo tumular do vale do Boine, formado por 40 megalitos, entorno a Newgrange, e outros tumulos grandes tumulos menores como Dowth e Knowth. 


Paralelamente a esta visibilização crescente os proprios túmulos empeçam a situar-se cada vez mais e de jeito paradoxal mais em lugares mais afastados e em ocasiões em conexão com rios (2) (Maringer, 1979). Lugares marginais com respeito aos asentamentos quotidianos, que requirem de viagenes em peregrinação para chegar até eles, configurando uma paisagem sacra de fortes connotações simbólicas
   

Parentescos além da genealogia e Comunidades Imaginadas

Outra questão importânte que os autores introduzem é a de como se define em uma sociedade que sujeito e quales não estão unidos por relações de parentesco?. O parentesco não é um fenomeno puramente biológico. Além da ancestralidade genetica comum, inclue também laços estabelecidos mediante casamento com grupos familiares alheios




Mas além de estes laços de parentesco político os autores usam o conceito de kinwork, que define as relaçôes de "familiaridade" estavelecidas alem do matrimonio e a genealogia, através da interação entre sujeitos, para destacar que o proprio conceito de parentesco e profundamente social e existem diversos criterios  pelos que nas sociedades humanas se "constrói  o parentesco":

"As pessoas criam ativamente seus parentes por meio de práticas culturais conduzidas dentro do contexto particular de sua sociedade, como cuidar uns dos outros, dar presentes, compartilhar substâncias e se envolver em práticas comensais coletivas, ou viver, trabalhar ou enterrar os mortos juntos ... essas atividades constituíam as pessoas como seres sociais com relacionamentos próximos, identidades pessoais e um senso de pertencimento"

Em este sentido os autores incidem no papel do mundo funerario como espaço no que se expressam e negociam essas identidades de parentesco. A decisão de a quem enterrar ou não enterrar conjuntamente pode alterar as relações dos mortos com a comunidade dos vivos, criando, afirmando ou disolvendo relações entre os sujeitos que se deram em vida. Este é um processo bilateral no que a identidade do morto fica modificada ao mesmo tempo que a comunidade define ou re-define a sua relação post-mortem com o defunto.

Algumas culturas alteram conscientemente e de forma abrupta as relações vigentes durante a existência do individuo. Há sociedades, por exemplo, que prescrevem que o sujeito morto deve ser retornado a sua comunidade originaria, independentemente dos anos que mediem desde que a abandoara, o qual questiona a necessidade de que individuos enterrados junto no registo arqueologico tenham compartido sempre residência em vida ou mesmo a pertença ao mesmo grupo doméstico (Ensor, 2021).

A isto se une o proprio papel transformador que os ritos funerarios exercem sobre a natureça do defunto marcando a passagem do sujeito a condição de ancestral. Isto se reflite em ocasiões em formas peculiares de tratamento dos restos corporais do defunto, desde ritos de re-enterramento como a Famadihana de Madagascar (3), ou praticas pressentes nas Ilhas Britânicas durante a Idade do Bronze como a descarnação (Booth  & Brück, 2020) ou reaproveitamento e conservação seletiva de algumas partes do cadaver, como sucede no caso de Cladh Acham estudado por Parker-Pearson (aqui). 



No contexto do megalitismo irlandes combina-se frequentemente a inhumação e a cremação do cadaver, e mesmo chega-se a alternam ambos os procedimentos: cremando o maior parte do corpo mas mantendo livres da acção do fogo determinadas partes de ele, como pode ser o crânio (4).  

Seja como for, no cenario dos grandes tumulos de corredor de finais do Neolitico, constituidos em centros rituais que atraim arredor de sim uma comunidade ampla geográfica e genealógicamente, o role que a seleção de determinados individuos, para serem enterrados como "Ancestrais" ficticios de essa comunidade ampliada supra-local, jogaria prantea questôes sobre como deve entender-se e interpretar essa escolha?.

Uma duvida razoável ou uma hipotese? Ancestrais de que?

Uma vez rexeitada a hipotese dinâstica, fica assim ainda pressente a questão de que criterio contribue a seleção da mostra muito restrita com respeito a amplitude da comunidade, que apareçe nos grandes megalitos, e porque são eles adoptados como sujeitos dignos de representar na morte a essa grande familia imaginaria reunida em torno ao tumulo?. O lógico seria supor que essa "repressentatividade" que se lhes atribui estivesse relacionada com as proprias actividades das que o tumulo era o centro, e por tanto tenha a ver com o role de estas pessoas dentro do ritual. 



Um modelo, que os autores não consideram, mas que poderia encaixar com isto seria prantear a possivel pertença dos enterrados, como membros destacados, a uma "sociedade segreda", como as que Brian Hyden tem proposto para diversos contextos pré-históricos  (vid. aqui e aqui), e que exerceria o controle efertivo da actividade ritual do grupo ao que complexo megalítico rcoexiona.  

Determinados riscos como que a afiliação a estes grupos não dependa de laços de parêntesco senão do pago dos ritos de ritos de acesso aos distintos niveis de iniciação, e que aqueles que chegam ao mais alto grao iniciatico sejam enterrados em locais especiais, vinculados à sociedade, pareceriam coerèntes com esta hipotese.

Do mesmo jeito o role das sociedades secretas como vias de aceso a um poder de tipo não hereditario (ao contrario da hipotese de Cassidy) sobre o grupo explicaria a pressença de determinados individuos em complexos arquitetonicos, que pelas suas dimensões supuseram mobilimentar através de alguma forma de influência -alem do voluntarismo- a um grande número de pessoas mas numa sociedade onde não se perceve a pressenza de hierarquias de poder adscritas.

Outro traço em comum seria também o facto de que as sociedades segredas, descritas pela etnografia, normalmente transcendem o ambito de pertença local,  permitindo assim estabelecer redes supralocais aos individuos que a elas afiliam, o qual encaixarka com o contexto de forte  movilidade e contactos a longa distância, distintivo da época na que se erigem e estão em ativo os grandes tumulos de corredor irlandeses.

É esta hipotese perfeita?, ou esgota a problemática?. Obviamente não, e mesmo poderia objetarse-me ao respeito algo ad hominem, vendo os meus antedentes recentes, que ultimamente não faço mais que ver "sociedades secretas" por todas partes.  Mas por suposto obviamente direi que isto não ultrapasa o plano da hipotese, e não pretende a exaustividade, nem muito menos dizer nenhuma última palavra.  

Alguem com mais perspitacia e imaginação etno-arqueologica da que eu possuo, podera imaginar tal vez um horizonte igual ou. sem duvida mais coerênte para este cenario da "Grande Familia" como comunidade imaginada tardo-neolíticas que tenho descrito acima. Aqui, simplesmente,  aporto apenas um pequeno apontamento especulativo, a uma questão tâo complexa, e que dista de quedar resolta com isso,  como é a ritualidade e o simbolismo de há 6.000 anos. 
   

Artigo

Carlin N, Smyth J, Frieman CJ, et al. (2025): "Social and Genetic Relations in Neolithic Ireland: Re-evaluating Kinship" CAJ Published online 2025 pp. 1-21 DOI:10.1017/S0959774325000058

Bibliografia complementar

Ammerman, A.J & Luigi Luca Cavalli-Sforza, L.L. (1984): The Neolithic Transition and the Genetics of Populations in Europe. Princeton University Press. Princeton.

Anderson, B. (1996): Imagined communities reflections on the origin and spread of nationalism. Verso. Londres

Booth TJ, Brück J. (2020): "Death is not the end: radiocarbon and histo-taphonomic evidence for the curation and excarnation of human remains in Bronze Age Britain" Antiquity Nº 94/377 pp.1186-1203. DOI: 10.15184/aqy.2020.152

Booth TJ, Brück J, Brace S, Barnes I. (2021): "Tales from the Supplementary Information: Ancestry Change in Chalcolithic–Early Bronze Age Britain Was Gradual with Varied Kinship Organization."CAJ Nº 31/3) pp. 379-400  DOI: 10.1017/S0959774321000019

Cassen, S (2011): “Le Mané Lud en mouvement. Déroulé de signes dans un ouvrage néolithique de pierres dressées à Locmariaquer (Morbihan)” Préhistoires Méditerranéennes Nº 2 pp. 1-58

Cassidy, L.M., Maoldúin, R. Ó, Kador, T., et alii (2020): "A dynastic elite in monumental Neolithic society" Nature Nº 582 pp. 384–8  DOI: 10.1038/s41586-020-2378-6

Ensor, B. (2021): The Not Very Patrilocal European Neolithic. Strontium, aDNA, and Archaeological Kinship Analyses. Archaeopress. Oxford

Fowler, C., Olalde, I., Cummings, V. et alii. (2022): "A high-resolution picture of kinship practices in an Early Neolithic tomb" Nature Nº 601 pp. 584–587. DOI: 10.1038/s41586-021-04241-4

Green, S. W. & Zvelebil M. (1990): "The Mesolithic Colonization and Agricultural Transition of South-east Ireland". Proceedings of the Prehistoric Society Nº 56, pp. 57-88 PDF

Hayden, B. (2018): The Power of Ritual in Prehistory. Secret Societies and Origins of Social Complexity. Cambridge University Press. Cambridge.

Herz, R. (1990): La muerte y la mano derecha. Alianza. Madrid

Olalde, I., Altena, E., Bourgeois, Q. et alii (2025): "Long-term hunter-gatherer continuity in the Rhine-Meuse region was disrupted by local formation of expansive Bell Beaker groups" BioRixv  DOI: 10.1101/2025.03.24.644985

Maringer, J. (1979): “Grave and water in prehistoric Europe” JIES Nº 3/2 pp. 121-147

Seersholm, F.V., Sjögren, KG., Koelman, J. et al. (2024): "Repeated plague infections across six generations of Neolithic Farmers" Nature Nº 632 pp. 114–121 DOI: 10.1038/s41586-024-07651-2

Zvelebil M. (1989): "On the transition to farming in Europe, or what was spreading with the Neolithic: a reply to Ammerman" Antiquity Nº 63/239 pp. 379-383 PDF  

Zvelebil, M. & Malcolm Lillie, M. (2000): "Transition to agriculture in eastern Europe" in: Price, D. (ed.): Europe's First Farmers. Cambridge University Press. Cambridge. pp 57-92 

Notas:
1) Uma interessante revissão critica desde a arqueologia das aportações da paleo-genetica pode topar-se em Booth e Brück (2021)
2) Junto a função pratica das grandes redes fluviais como vias de comunicação privilegiadas durante a pré-história, como observa Maringer possivelmente o cursos de água também desempenharam um papel simbólico na cosmovissão das sociedades neolíticas, tal vez aludido pela pressença nos ortostatos de alguns megalitoss de declorações em zig-zage que o autor interpreta como representações de água correndo. A este respeito é interessante a comparação com a forte pressença de elementos alusivos ao mar (repressentações esquematicas de barcos e cetaceos) no corredor de alguns tumulos armoricanos, ou a sua propria orientação na costa mirando cara o mar (Cassen, 2011)
3) O rito da Famadihana praticado pelos merina de Madagascar que consiste em uma celebração na que ao menos cada 7 anos os cadaveres dos ancestrais são desenterrados, levados em procissáo em torno a tumba pela seu grupo e após cambiar a mortalha funeraria por uma nova são novamente enterrados. O ritual tem relação com os rituais de dobre enterramento do defunto de origem austronesio (grupo linguistico ao que pertençem os malgaches) que foram estudados por Robert Herz (1990), e que se vasejam no principio de que o morto não abandona totalmente o mundo dos vivos até se consumar a descomposição total do cadaver deixando os osso limpos, momento que marca a partida definitiva do defunto cara o Além. Um interessante documentário sobre a famadihana aqui
4) Cabe a possibilidade de que este tratamento diferèncial levara aparelhado algum possivel usso ritual ou simbólico de estas parte do corpo durante os ritos de culto aos ancestrais enterrados no túmulo por parte da comunidade dos vivos?


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