terça-feira, 17 de janeiro de 2023

A (Geo)estratégia do Mandril


Recordo que há umas décadas, ainda sendo estudante, assistira uma palestra proferida pelo antropólogo e  etólogo Francisco Giner Abati mais conhecido pela sua monografia sobre o povo africano dos Himba. Para o que não lhe soe o termo etologia comentar que esta é uma subdisciplina dentro da biologia que estuda os padrões de comportamento animal incluindo aqueles do ser humano em quanto animal: padrões de comportamento inatos, linguagem não-verbal, etc..

relevo com simbolo fálico protetor greco-romano s. I d.C

Em este sentido o interesse da palestra residia principalmente na visão que a dupla condição do palestrante oferecia dos elementos inatos -e por tanto universais- do homem como espécie, e a modulação que sobre estes oferecia a cultura, dando lugar a infinita variabilidade do comportamento humano em sociedade

Uma de entre ¡entre outras muitas conexões filogénicas de algumas costumes humanas interpretara durante aquela palestra fora a do recurso apotropáico ao falo, e este como substrato de expressões quarteleiras e malsoantes varias como "por meu Cs" e "botar-lhe um par de ...", ou o "toca-me o C" em base a algumas peculiares costumes dos nossos parentes primatas

alguma estranha performance fálica contemporânea de difícil contextualização

Em concreto entre os mandriles quando o grupo se aparecevia de algum perigo o macho alfa procedia adiantar-se e situando-se apontando cara o foco de perigo, em esse preciso momento, experimentava de súpeto uma grande e incontrolável ereção dirigida cara o objeto dos temores da comunidade.

"há miradas que matam" cambio da guardia em Cachemira

Anos antes recordo uma nova no telejornal sobre as tensões entre o Paquistão e a Índia na fronteira de Caxemira, na imagem dois soldados com seus turbantes desfilavam passo da ouca, fuzil no ombreio, braceando de forma muito expressiva e ainda teatral

A cena seguia uma pauta quase ritualizada e que recordava mesmo a um combate de rapeiros, de esses que popularmente se denominam "peleja da Galos", ou a alvo das cristas que exibem mesmo dos galos propriamente ditos, ou um exibição entre arte marcial e ginástica artística esquisitamente coreografada na sua simetria.

Um executava o seu desfile de lado a lado do posto fronteiriço, apenas uns metros (3 como muito), mirando fixamente ao do outro lado, exagerava o mais possível o passo e os gestos, erguendo o mais possível o braço e balanceando artificialmente a arma no ar. Ato seguido o seu análogo do lado contrário tentava fazer o próprio superando a exageração dos movimentos do anterior, depois o ciclo se repetia novamente em um crescendo que quase derivava em uma pantomima mais que cómica mesmo grotesca

Com os anos este teatral cerimonial realizado no momento do arriado das bandeiras no Dia da Independência, origem da conflito latente entre os dois países por questões como a de Caxemira quase tem derivado em um espetáculo entre a exaltação patriótica e o turismo com não menos fervor detrás de ele que o que se expressa nas rivalidades esportivas entre países.  Estes eventos ritualizados comprem em certa forma seu fim como cenificação teatral do conflito mas também com substituto da violência direta, sempre será melhor uma "guerra" cerimonial que um no campo de batalha real.

Foi por isso que quando escutei a anedota do mandriles não pude evitar que a minha mente se fora a aquela cena dos dois soldados fronteiriços. Faz uns dias estava vendo precisamente um documentário sobre outros primatas e ouvi surpreso como em ele se dizia: 

“há outro paralelismo entre os chimpanzés ao mando e os nossos gloriosos lideres políticos, quando o apoio diminui vale a pena ir a guerra … a historia proba que um conflito a tempo ajuda de melhorar o índice de aprovação de um líder em decadência ao animar aos seus seguidores a esquecer as disputas unindo-se contra um inimigo comum”

É óbvio que a teatralização da violência conhece limites, e aqui os nossos parentes primatas estão indicando um de eles, as vezes os conflitos não são tanto, em realidade, resultados de ofensas reais ou tensões a vista de pássaro senão que se baseiam mais na subtil e tensa ecologia política interna da comunidade que decide abrir o fogo sobre seu vizinho

Visto o visto estes dias, não há muita dúvida de que a política exterior, ou isso que agora pedantemente se chama geopolítica, tem de certo frequentemente e abondosas doses de "mandrilismo"

(25 janeiro 2022)  

Postcriptum: 

Curiosamente os chimpaces não conhecem a mera hierarquia nem aceitam o poder já constituinte por ser meramente o já constituído, senão que em ocasiões reagem com igual violência quando o líder se excede na sua exigência ou se convir-te em uma ameaça para a própria convivência e bem estar social. 

Para o consolo do nosso chimpanzé ou mandril interior os nossos congéneres não conhecem apenas a submissão, a manipulação, o conformismo ou as utilidades dos "símios -melhor que boves- emissários" senão que na sua subtil inteligência politica descobriram também as virtudes do rebelião ou ainda do tiranicídio. Isso a pesar das diferenças entre eles e nós e da nossa indiferença atual -e geral- não deixa de ser uma certa esperança.


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