Durante boa parte da segunda metade do século passado a perceção que se teve das sociedades do Neolítico, tendia a considerar esta em geral como sociedades simples pouco ou nada estratificadas, com um índice limitado de riqueza material e pouco especializadas em quanto a divisão do trabalho.
De este jeito o Neolítico apresentava-se como um período caracterizado por comunidades a pequena escala e com um escasso grau de competência entre elas pelos recursos do meio. Isto iria aparelhado a ideia de que o Neolítico fora uma época relativamente pacifica e sem motivações que sustiveram a necessidade da guerra como sim sucederia em períodos posteriores. Esta era por exemplo a imagem que Gimbutas amostrava por exemplo na sua visão do que ela chamou a "Velha Europa" um periodo de paz quase edénica caraterizado pelo igualitarismo social e o matriarcalismo.
Imagem de uma "pré-história pacificada" que tem sido criticada como uma mera fantasia durante as últimas décadas. Uma critica da que o clássico estudo de Guilaine, e Zammit "O Caminho da Guerra" aporta evidencias sobradas do pouco pacíficos que foram esses tempos, e segue a dia de hoje a ser uma boa síntese ainda muito recomendável introdução ao problema da guerra na pré-história, se bem nos últimos anos as evidências em este sentido não tem deixado de medrar e multiplicar-se em toda a área neolítica europeia, desde a massacre do Bolmem de Longar em Navarra a alguns santuarios e fossas comuns descobertas recentemente na chaira centro-europeia.
A osteologia apresenta uma metodologia para avaliar a presença da violência nos restos ósseos durante a pré-história, e distinguir aqueles traumatismo que são causados por acidentes daqueles resultado de uma violência intencional, permitindo estabelecer padrões de fratura para armas especificas. Lesões como as pontas de seta encaixadas são facilmente reconhecíveis mas outros tipos de traumatismos produto de armas contundentes como maças ou machadas precisam ser analisados com muito mais cuidado.
O estudo amostra evidências de violência de cerca de 10% ao menos da população neolítica estudada na Europa ocidental, marcando um aumento significativo das lesões violentas observadas no registo com respeito às populações mesolíticas, o qual faz considerar aos autores do artigo ao neolítico como um período central para entender a origem do conceito de "guerra" como tal:
“Isso prantea
a questão de saber se é possível começar a usar o termo guerra para algumas das
interações violentas do período-e de fato a reconheça (bio-) arqueologicamente
ao caracterizar a evidência esquelética da violência que sobrevive. O aumento
da territorialidade relacionada à agricultura e pastoralismo e produção variada
e sazonal de excedentes e aumentos inevitáveis e variação no tamanho do grupo,
organização e desigualdade econômica provavelmente são fatores contribuintes
(5). Ao mesmo tempo, é importante lembrar que a violência, como uma forma de
comunicação, não é uma nova característica do período. Embora os níveis
endêmicos de violência certamente estejam presentes dentro do período e da
região, isso não equivale à uniformidade experimental ou numérica, nem permite
a caracterização de todo o período como particularmente beligerante no contexto
da Europa pré -histórica, ou mesmo da história humana como um todo. O que vemos
é um aumento em eventos violentos significativos, resultando em mortes em
massa, que se agrupam no primeiro neolítico da Europa Central em particular. Essa evidência de violência intergrupal sustentada e em larga escala pode
de fato sinalizar a inauguração mais permanente da guerra nas relações sociais
diante de mudanças sociais, econômicas e demográficas sem precedentes e
complexas”
No corpus osteológico estudado pelos autores se observa igualmente um 70% de lesões causadas por seta, e um 50% causadas por traumatismos gerais. Em isto há que matizar também o fato de que o efeitos da armas contundentes como machadas ou maças apenas deixa um percentagem muito leve de lesões que afetem aos elementos ósseos do corpo, lesões contundentes de importância e que mesmo podem afeitar a órgãos do corpo ou causar a morte não sempre tem expressão apreciável em roturas ou lesões ósseas
Põe-se por exemplo o caso da fossa comum de Talheim resultado de uma massacres mas na que não em todos os indivíduos enterrados se puderam topar signos físicos de violência, se bem o contexto violento e resultado de uma massacre é pouco duvidáveis em este caso. Na chamada da Cultura da Cerâmica de Bandas há um certa abundância de fossas comunais contendo dezenas de cadáveres com traumatismo letais, mostrando que a violência era algo frequente em este cultura sobre tudo durante o período prévio ao 5000 a.C. Estas massacres indiscriminadas parecem ter incluído a tortura ou mutilação dos contrários.
Também existe a possibilidade de que uma parte de estas fossas tenham sido resultado de outros fenómenos catastróficos como epidemias ou períodos de fome. Os analises comparativos sobre o fenómeno da violência grupal amostram que as massacres soem ocorrer dentro de um determinado contexto, em sociedades onde os desequilíbrios de poder crescentes, tanto entre grupos como dentro do grupo, favorecem dinâmicas de competição e agressão
Em estes contextos de forte crescimento das tensões levam nos aos casos de massacre massiva que têm aparelhada a desumanização por parte dos agressores dos membros da outra comunidade, que faz legitima e justifical -também toleravel- o exercio de uma violência indiscriminada e cega tanto em vida como apôs da própria morte, mutilando o cadáver ou negando-lhe um enterro segundo os ritos usuais. As dinâmicas das comunidades neolíticas oferecem um cenário privilegiado para a aparição de este tipo de conflitos inter-comunitarios.
Motivos para a violência:
O artigo também se pranteia o problema das motivações e incentivos que um determinado tipo de sociedade ou outro apresenta para a aparição da guerra como fenómeno. Assim sociedades caracterizadas por uma de população escassa e dispersa que não ultrapassam os níveis de sustentação do meio que os rodeia têm poucos incentivos para entrar em conflito entre sim. Antes bem em uma sociedade demograficamente débil qualquer conflito armado pode supor perdas demasiado graves que podem questionar a supervivência das próprias comunidades enfrentadas.
Uma demografia baixa favorece assim formas de violência que intentam limitar os danos letais, e tendem a seguir padrões mais ou menos ritualizados, com costumes, normas e restrições destinadas a evitar males maiores durante o enfrentamento. Uma razia ocasional em este tipo de guerra pode apenas ter como efeito a morte de um ou dois indivíduos do outro grupo. Outro padrão recorrentemente observado em sociedades com formas de guerra fortemente ritualizadas é que a motivação da guerra a maior parte das vezes sói situar-se mais dentro do próprio grupo que fora dele.
São mais as tensões internas pelo poder ou prestigio, dentro da comunidade as que se amostram na busca de botim ou de reforçar o status através do exercício de uma conduta "heroica". A intensificação da conflitualidade bélica pressente durante o Neolítico amostra outro contexto no que o aumento da demografia fruto da economia agrícola, supõe uma pressão humana maior para o médio e incentiva a competência pelos recursos entre comunidade vizinhas dando lugar a um ênfase na territorialidade e a identidade grupal. No qual fenómenos como os conflitos massivos e a violência indiscriminada intergrupal fazem sentido plenamente.
"Enquanto a
violência letal e subletal eram claramente uma característica da vida antes da
domesticação, há evidências inequívocas de mudanças significativas durante o
Neolítico em termos de escala, frequência e táticas envolvidas em interações
violentas, quando são comparadas ao Mesolítico e períodos anteriores.
Antes da domesticação, episódios de violência em massa, conforme é indicado por
múltiplos enterros e ataques a estruturas fortificadas durante o Neolítico, não
são evidêntes nem foram possíveis devido à natureza de pequena escala,
dispersa e mais móvel das populações forrageiras."
Demografia, rapto da noiva, escravidão?
A mudança demográfica e social que supõe a adoção de sistema produção agro-gandeira e do sedentarismo, leva aparelhado um crescimento paralelo da estratificação interna dentro das comunidades neolíticas:
"Os modos de
vida neolíticos favoreceram famílias maiores e levaram à Transição Demográfica
Neolítica, uma explosão populacional efetiva na qual as sociedades se
desequilibraram em relação aos indivíduos mais jovens. Enquanto caçadores-rcoletores
“com sucesso” só podem compartilhar os benefícios de seus esforços no curto
prazo e com alguns indivíduos, agricultores com sucesso podem acumular
riqueza material na forma de terra e gado que permitem e promovem
famílias cada vez maiores. Essas novas formas de riqueza também eram
hereditárias, o que significa que as disparidades emergentes de riqueza
poderiam aumentar ao longo de várias gerações."
O artigo assinala a possível existência de formas de matrimonio poligínicas durante o período neolítico na Europa, como evidenciaria alguns estudos de ADN antigo recentes como o da necrópole de Hazleton North, sudoeste da Inglaterra, onde um único progenitor masculino dera lugar com 4 mulheres a uma família de 5 gerações com exogamia feminina:
"O surgimento
de indivíduos “ricos”, especialmente em grupos mais pastoris, também terá
criado condições que favoreceram a poligamia – alguns indivíduos do sexo
masculino agora eram capazes de sustentar mais de uma esposa. Essa mudança
aumentaria ainda mais a desigualdade ao produzir patriarcas poderosos à frente
de famílias cada vez maiores, ao mesmo tempo em que privaria outros homens jovem que
talvez não pudessem casar."
Dados como este apontam a uma imagem das sociedades neolíticas como fortemente desiguais e conflituais o qual encaixa com o surgimento de conflitos intergrupais com possíveis episódios de adução de mulheres de grupos contrários como os que se evidenciam etnograficamente em alguns povos atuais. Porem os 3 locais de massacre da Cerâmica Linear (Asparn/Schletz e Schöneck-Kilianstädten) mostram uma escassez comparativamente de mulheres jovens, e em um caso de eles -Schöneck-Kilianstädten- também uma ausência de adolescentes entre as vitimas.
A explicação provável e que estes moços foram capturados seletivamente para logo ser integrados na comunidade atacante sem que possamos precisar o seu status dentro de elas, já fora como membros da comunidade ou como escravos. As vezes, as duas categoria não estão demasiado longe, como sucedia como os nuer que capturavam escravos entre os seus vizinhos, mas estes escravos realizavam as minhas tarefas e tinham o mesmo tipo de vida que seus captores sendo usual que ao cabo de um tempo se integraram no grupo dos raptores e terminaram participando eles próprios em expedições guerreiras com eles contra os povos vizinhos, mesmo contra seu próprio grupo de origem.
dança guerreira Nuer, foto: Evans-Pritchard 1935
Boa parte das linhagens nuer de fato tinham antepassados que se integraram no povo nuer inicialmente como "escravos". Mais isto não é assim sempre e os escravos kwakiutl que eram sacrificados mesmo apenas como uma forma de amostrar a riqueza junto com outras coisas que também eram destruidas durante os potlaches apresentam uma imagem muito distinta da escravidão, e não digamos já da costume dos chamados "mortos de acompanhamento" ... mas isso já é outra história para outra postagem
Artigo:
Fibiger, L., Ahlström, Meyer, C. & Smith, M. (2023): “Conflict, violence, and warfare among early farmers in Northwestern Europe”
PNAS Nº 120/4
DOI: 10.1073/pnas.2209481119 pnaAlguma bibliografia complementaria:
Evans-Pritchard, E.E (1992):
Los Nuer. Anagrama. Barcelona.
Guilaine, J. & Zammit, J. (2001): El camino de la guerra. La violencia en la prehistoria. Ariel. Madrid
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