Acaba de sair publicado on-line um artigo que entrara na próxima edição da Prehistorische Zeitschift e que e que aponta uma interessante hipótese sob o consumo de drogas entre os germanos durante o período romano.da Idade do Ferro do Norte da Europa.
O papel que os estimulantes desempenham na guerra para motivar ou calmar o stresse dos soldados ao entrar em combate não é nada novo no mundo contemporâneo desde as primeiras experiências durante a II Guerra Mundial, passando pela do Vietname, ou as recentes novas sob o consumo de estupefacientes pelos soldados russos na atual fronte ucraniana.
Tem-se igualmente assinalado intuitivamente. como mera possibilidade, o uso bélico de estimulantes na antiguidade, a través de alguma cita de autores clássicos sob o consumo de cerveja dos guerreiros celtiberos antes de entrar em combate (Or, Hist.V, 7,13-14) (1) ou das descrições dos guerreiros furiosos bárbaros mesmo lutando desnudos, como os gaseati que descreve Políbio (Pol. II.28.8- 29.8) durante a Batalha de Telamon, e que se tem comparado as descrições de textos épicos medievais (como o Ciclo do Ullster (2))
Mais exoticamente poderiam recordar-nos também as terríveis tropas do tristemente celebre General Butt Naked, que durante a Guerra da Libéria combatiam despidos, na convicção de que as substâncias que ingeriam e os rituais que realizavam antes do combate os faziam imunes as balas (3), e que foram protagonistas de algumas das matanças mais sangrentas durante a guerra civil de essa república africana.
Porém, rastrear estas intuições no registo arqueológico é muito mais complicado e problemático, pelo que o artigo que agora vamos referir aponta uma interessante aproximação a questão por uma via indireta, através da cultura material do guerreiro germano. Para isto tomam como base o achado de alguns artefactos singulares, como duas peças alongadas de metal topadas em Bredal (Jutlândia) e no túmulo de um rei germano em Mušov (Morávia) que rematam numa pequena tigela que lhe dá uma forma de colher.
O facto que uma das colheres de Mušov apresentar um remate em anel que indica que pode ter sigo suspendida unida a alguma corda ou tira para levar pelo sue portador, vincula estas peças a um conjunto de objetos que tem sido topados na indumentária dos guerreiros germanos. Uma série de objetos que ia suspendidos do cinto do guerreiro e que estavam rematados numa tigela pequena que lhes dava igualmente aspeto de colherzinha.
Os autores interpretar estes peculiares artefactos rematados em colheres de muito reduzidas dimensões como dispensadores pensados para administrar a dose precisa de alguma substância psicoativa, evitando a ingestão de quantidades perigosas que puderam provocar uma sobredose. Estes dosseficadores foram topados ou bem depositados em pântanos, como parte da oferenda ritual dos despojos capturados aos inimigos. ou bem em contexto funerário formando parte do equipamento do guerreiro defunto:
"estabelecemos uma lista
de descobertas em 116 localidades, totalizando 241 achados (lista 1). As
descobertas foram feitas numa variedade de contextos: houve 102 achados de
oito achados de pântanos; 117 de 109 sepulturas; enquanto em 20 casos (para 21
achados) não foi possível estabelecer um contexto. Há, no entanto, uma alta
probabilidade de que a maioria deles sejam achados de sepulturas. Há também uma
regra aparente de que eles acompanham cintos usados por homens"
Os autores consideram, assim mesmo, que além da nómina dos exemplares documentados vinculados a equipamento acessório do cinto militar, poderia haver outros exemplares que se teriam perdido. Consideram para isto que os portadores de cinto não seriam mais que uma parte do exército, vinculada a posse e uso de espadas (o qual era atributo por definição de uma minoria) pelo que também é possível que existiram exemplares em outro materiais mais modestos, como a madeira, mas usados para igual fim pelo conjunto da tropa.
Neste sentido a tipologia da segunda colher de Mušov que se afasta das colheres de cinto, mas que pudera ter a mesma finalidade, apresenta-se como fóssil guia tipológico entre as variantes metálicas portadas no cinto e as suas congéneres de materiais perecedouros que puderam ir suspendidas por uma tira, por exemplo, no pescoço do utente.
Após fazer um demorado análise do corpus tipológico das colheres de cinto na Centro-Europa e Escandinávia o estudo se debruça sobre as possíveis substâncias enteogênicas que puderam ter diso consumidas por parte dos guerreiros germânico durante o Idade do Ferro. Assinando como candidatas quatro possíveis famílias botânicas: a das papoulas (das que se estrai o opio), as canabideas, as solanaceas (belladona, estramónio, etc.) e os fungos.
Dentro dos fungos os autores dão preferência ao cornelho parasito de alguns cereais como o centeio, que provoca o mal do ergotismo, conhecido popularmente como "Fogo de Santo Antonio", mas que consumido em doses limitadas produz um estado geral de excitação que seria concorde com os estados de "fúria guerreira" atribuídos pelas fontes antigas e medievais aos guerreiros germânicos:
"o consumo de cornelho
estimula o sistema nervoso central, o que causa estados mentais muito
diferentes (devido a fortes efeitos dopaminérgicos e serotonérgicos)
manifestando-se muito frequentemente como agitação. Parece-nos que o cornelho
t, processado apropriadamente, era o mais provável impulsionador emocional dos
guerreiros germânicos."
Para finalizar outra sugestão de interesse e o pantear que a elevada demanda no âmbito militar de substância psicoativas deveu gerar um sector industrial em paralelo dedicado ao cultivo das plantas, seu processamento e posterior distribuição, sem descartar igualmente um consumo mais amplo de estupefacientes, ampliando-se o "mercado das drogas" também a contextos civis na Germânia.
fragmento metálico do lateral de uma Amulettendose, século III D.C. Museu Estadual de Berlim
Ao respeito assinalam a possibilidade de que uns pequenos recipientes metálicos, frequentemente topados em tumbas femininas, e conhecidos como "Amulettendose’, puderam ter entre os seus possíveis contidos -ainda por determinar- os narcóticos.
Artigo
Jarosz-Wilkołazka, Anna, Kokowski, Andrzej and Rysiak, Anna. "In a narcotic trance, or stimulants in Germanic communities of the Roman period" Praehistorische Zeitschrift, 2024. DOI: 10.1515/pz-2024-2017
NOTAS
(1) Apontam os autores no artigo o dado da presença de cerveja misturada com belladona numa tumba do Calvari d'Amposta, =Tarragona), e de um achado similar na necrópole vacceia de Las Ruedas (Valhadolid). É também subgerente a associação entre a embriaguez e o combate que se transluz no nome do povo cântabro dos Orgenomescos, literalmente "os que se embriagam na matança"
(2) Nesta linha é onde há que contextualizar referências no Tain Bó Cuaigne a "pele córnea" que cobria o corpo do herói Cu´Chulain durante os seus estados de "fúria" fazendo-o impermeável ao ataque de qualquer arma. Alusão a pele que implica, ao nosso ver, uma certa nudez do herói durante a briga
(3) No caso das milícias de Butt Naked este proceder bélico se inscrevia no contexto dos rituais das "sociedades secretas" muito estendidas na região (como a Sociedade Poro, sob esta últim vid. aqui), que incluíam dentro dos seus rituais, como as tropas de Butt Naked, junto ao consumo de psicoativos a prática do canibalismo por parte dos membros do grupo.
Pode que também te interesse: Cães, Lobos e Guerreiros
Sem comentários:
Enviar um comentário