Outra mão bronzinea, esta topada na Suíça (a Mão de Prêles), e parece que iria não pendurada de nenhum sitio ou mesmo poderíamos dizer que mais que fora colgando de alguém, a jeito de refulgente prótese. Seria necessário imaginar o tom dourado pálido que teria o bronze da peça antes de colher sua patina verdinha, o que faria jogo, ainda que abaratando o custo, com a custosa fita de ouro que decora o remate da "empunhadura", se nos permitis o termo, ainda que, ao melhor, no punho não iria já.
Objetos recuperados do enxoval recuperado do tumulo de Prêles (Berna, Suiça)
Excavações da tumba de Prêles (Berna, Suiça)
Qual seria sua função?: Objeto ritual?, amuleto?, elemento ortopédico?. Um colega mesmo me sugeriu hoje em comparação com o punhal um possível uso como arma: já pudemos imaginar a muito dantesca cena de olhos tirados da testa ou pinchados nos metálicos dedos, ou ainda saltando pelo campo de batalha, ou de gorjas degoladas por golpes de mão, imagens desacougantes que algo de arrepio dão de certo.
Inscripção a Marte Nodons, e diadema votiva, com o deus pressentado como um Helios-Apolo marinho ambas dois do templo britano-romano de Lydney Park (Gloucestershire), o Idolo de Tandragee (Armagh, Irlanda) interpretado geralmente como uma representação do deus Nuada Airgetlám
Também se pode lembrar ao respeito a longa tradição jurídica que o gesto da união de mãos (dextrarum iunctio, gr. dexiosis) tem para selar um pato, acordo; ou negocio, simbolismo refletido tanto no direito latino mais antigo como no mundo celto-hispânico, onde arqueologia no-lo amostra claramente através alguns suportes de pactos de “hospitalidade” (tesserae), que adquirem forma de duas mãos acopláveis uma na outra em uma sólida aperta tão sólida como o próprio acordo que garantem: Uma metade para cada signatário.
Gesto de dextrarum iunctio entre esposos de um sarcófago romano (Museu das Termas de Diocleciano), anel de fede com mãos apertadas; acordo de cessão de Carcassona entre Ramon Berenguer I e Guilherme de Cerdanha no Liber Feudorum Maior
Uma firme materialização que transcende a própria vida das partes, alongando o pato a sua descendência, pois essa “amizade” se herda, e cada parte da tessera esta chamada assim a atuar como signo de reconhecimento mutuo entre dois a priori desconhecidos reconhecendo-os no ancestral vínculo. O simbolismo jurídico da mão esta longamente exprimido no mundo Indo-europeu, apenas temos que voltar as analises já citadas de Dumezil, mas também podemo-lo topar em exemplos mais próximo ao nosso contexto temporal e etnográfico. ainda frescos até há alguns anos, na imagem tradicional de dois paisanos selando na feira o acordo de venda com um aperta de mãos, única rubrica precisa para ultimar e legalizar de jeito informal -mas contundente- o acordo oral.
Tratantes de gado fechando o acordo com uma aperta de mão, feira de Laviana (Astúrias) no 1950. Museu do Povo de Astúrias
Mão de Sabazios, Akhenatão e um dos seus filhos bencididos pelas mãos-raios de Aton, a Mão de Deus bendicindo, igreja bulgara do s. VI d.C, uma das mãos da tumba Großklein decorada com diversos signos (apotropaicos?) e perforação para fixa-la a alguma superficie ou pendura-la
Ou num âmbito menos transcendente e escatológico, pensar na mão ainda servindo de proteção magica em um sentido mais quotidiano, em tanto amuletos populares como a figa que representam uma mão, apertada fazendo um nó com os dedos sobre o polegar, ou bem aberta ao jeito da Mão de Fátima, normalmente decorada com signos mágicos
Figas varias de azibeche nos seus diversos modelos e formas tradicionais, figa com imagem da Virgem da Cabeça (Jaem), figa de cristal de rocha alemã do século XVII ou XVIII
Especular pudemos, sempre e fácil e singelo quando o mutismo taxativo que tantas vezes amostra o registo arqueológico se nos impõe com um longo e incomodo silêncio sobre qual fora contexto “imaterial” de um objeto, ou se prefere “simbólico”, as vezes, este próprio termo “simbólico” (ou no seu defeito ritual) não é mais um eufemismo para escusar um “função desconhecida”. Com um símbolo de tão longa tradição como a "mão direita", que ademais sempre se oporá a outra “mão sinistra”. E digo destra, explicitamente, porque a Mão de Prêles é. casualmente, outra mão direita também, como a de Irulegi.
Cena de combate da estela de Palao (Alcanhiz) com repressentação sobredimensionada de mão amputada século II-I a.C
Como digo de tudo um pouco pode sair; desde a "fides" e a "hospitalidade" ao heroísmo do que priva da mão da espada a um inimigo (como era usual entre celtiberos e citas), ou mesmo haverá quem apontasse simbologias mais radiantes, e até solares mesmo, algo o pensou no caso de Indra creio que recordar um Max Müller que cegado pela “enfermidade da linguagem” não via mas que Sol por todas partes; ainda que divindade védica seja mais bem um ente tormentoso; seriam seus dedos um lôstrego tal vez?, penso é pouco provável. Seguramente algo acertou embora errou de deus no acerto.
Os avatares da "mão destra" são muito e mui variados. Eu não nego uma coisa nem outra, tudo isso pode ser possível e seguramente em tudo ou a menos em parte o será. Que nos dirá Irulegi de todo este puzzle quando algum dia as outra palavras além de esse transparente zorioneku (“felicidade” “boa fortuna”) sejam esclarecidas:
Mão sobre lintel de um edifico (Valência), mão de Fátima sobre a chamada porta da Justiça da cidade de Granada (s. XIV), chamador de porta tradicional com mão e esfera, Mão de Fátima-chamador de uma casa marroquina
Será uma “bem-vinda”, um texto de saúdo ou bênção, que indicara a hospitalidade para quem chega desde longe a essa morada, um carme protetor? poético texto ou apenas uma mais prosaica formula não cantável?; uma proteção contra a desgraça ou uma chamada (e evocação) a “boa ventura”, que foi, para mais efeito (verba volant scripta manet) materializado fisicamente sobre um objeto, objeto que, ao melhor, pudera ter já por sim próprio uma função como amuleto (a jeito de Mão de Fátima ou figa) ... ou seria tudo um pouco de tudo isto?.
"cem mil (vezes) bem-vindo" expressão gaélica de bem-vinda na porta de uma morada (Guitiriz, Galiza), foto do autor
Fica-nos a nós especuladores gratuitos, e impaciente, a esperar fazendo profissão de precaução, até que chegue o ditame dos que sim sabem de línguas, toca-nos agora calar: Que falem os filólogos!
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Postagem relacionada: A Mão Escrita de Irulegi
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