domingo, 25 de setembro de 2011

Um passeio pelo sexo, a morte e o sacrifício

Vai umas semanas saiu ao lume o achádego recente dum conjunto de ossos procedentes do jazigo mesolítico de Motala no Centro de Suecia, a zona corresponde-se com importante assentamento de pescadores datado no mesolítico, é dizer no período compreendido entre o paleolítico e a irrupção do sistema neolítico.

O conhecido como "dildo da Idade de Pedra" de Motala

Este jazigo já dera nos últimos anos uma boa quantidade descobertas entre elas uma peça óssea que pela sua forma, certamente indisimulada, deu cedo em figurar nas novas com o alcume do Stone age dildo, se bem o seu tamanho real asomava certas duvidas sobre a utilidade do artefato (e é que às vezes "o tamanho sim importa") pelo que à falta de explicação haverá que cataloga-lo convencionalmente como "simbólico" ou "ritual".

Dimensões e escala da figurinha falomórfica de Motala 
Embora este ultimo achádego mostra-nos outro aspeto algo mais "macabro" da realidade destes pescadores da Europa pré-neolítica, pois evidência o uso de uma boa quantidade de ossos humanos em um curioso tratamento pós-mortem dentro do que semelha um complexo ritual, isto é um santuário.

Aqui tendes a nota da prensa de Fredrik Hallgre e  Stiftelsen Kulturmiljövård diretores da escavação, dos que também se pode consultar uma interesante entrevista na prensa, e que pudemos ler a traves do blog  Aardvarchaeology do arqueólogo sueco Martin Rundkvist:

As escavações arqueológicas no período 2009-2011 em Motala descobriram um sítio Mesolítico único com deposições cerimoniais de crânios humanos no primitivo lago. Os crânios foram tratados em uma cerimónia complexa que implicava a colocação dos crânios em estacas  e o seu deposição na água. Os crânios dataram-se por radiocarbono em 8000 anos de antiguidade. Os rituais em Kanaljorden levaram-se a cabo em um pavimento de pedra construído no fundo de um lago pouco profundo (na atualidade um pântano de multidão). Alguns crânios estão bastante intactos, enquanto outros foram encontrados como fragmentos isolados. Os intactos representam onze pessoas, tanto homens como mulheres, de idades compreendidas entre a infância e a média idade. Dois dos crânios tiveram estacas de madeira inseridas desde a base até a parte. Em outro caso, o osso temporal duma mulher de foi introduzido dentro do crânio de outra. Além dos crânios humanos, os achados também incluem um pequeno número de ossos pós-cranial humanos Assi como vários ossos animais, e artefactos de pedra, madeira, osso e hasta. A deposição de Kanaljorden tem claramente um caráter ritual. O seguinte passo é averiguar se os ossos humanos são relíquias de defuntos que se manejaram em um complexo ritual de enterro secundário, ou os troféus dos inimigos derrotados. Os arqueólogos esperam que a análise de laboratório em curso [isótopos estáveis, ADN] dará pistas sobre se os ossos se encontram os restos dos locais ou as pessoas com uma origem geográfica distante, e se representam um grupo familiar ou pessoas não relacionadas entre si.

Pelo momento e mentres a genética e os restos de isótopos estáveis de estrôncio nas peças dentárias, método analise do que já falarmos ao tratar do arqueiro do Amesbury, não deem mais lume sobre o tema pouco mais se pode dizer. O feito de estarem as estacas cravadas tão profundamente fala a favor de que não tiveram o sustento da carne já e que pelo tanto os crânios sofreram um descarnamento prévio, já for pelo passo do tempo ou forçado, por efeito da exposição ao animais, ou bem da ação manual dos humanos



Este tratamento dos ossos contrasta fortemente coas nossas atitudes atuais e ocidentais com respeito aos mortos e a morte em geral, e certa mortefobia assética cada vez mais pressente na nossa sociedade (onde vão os velórios na casa?), no obstante encaixa com atitudes que observamos em muitas culturas  (Ucko, 1969), desde os curiosos ritos de segundo enterramento da Famadíhana Madagascar (Graedner, 1995; Larson, 2001), a conservação cerimonial dos crânios dalguma tribos da áfrica e asia,  ou a conhecida Caça de cabeças dos Dayak e outros povos do SE asiático (Needham, 1976), Oceania (Zegwaard, 1959) ou dos celtas (Lambrechts, 1954) e germanos antigos como recorda Rubkvist em certa alusão verba skoll do brinde sueco. 

crânios troféu decorados com incisões dos Dayak de Borneo
Ao respeito a pergunta está em se istos restos  devem ser entendidos ou bem como "troféu" ou coma "relíquia" , estamos ante um exemplo dum sacrifício no que se misturam humanos e animais, e no que se produce a exposição do vencido?, ou bem ante um templo no que se da culto aos antepassados, e se lhes oferendem animais coma vitimas? certamente a questão não é pequena, pois por um lado enfrenta-nos ante a realidade duns caçadores que cada vez estamos mais seguros não eram os "bons selvagens pacifistas" (Guilaine e Zammit, 2002) e pelo outro uma atitude de "memorialização" do grupo que já nos recorda a coisas que logo veremos no neolítico doutras lugares como o Lebante asiático  (Rose et alii, 1998)

crânios co rosto reconstruido e enterrados baijo o solo duma casa no asentamento neolítico de Tell Aswad (Siria)
Outra questão que este achádego sugere, e não o olvidemos também é a que nos põe em relação com outro feito cultural como é o nascimento do "sacrifício animal" como ritual religioso que agora já não pode ser já considerado como resultado duma mera religiosidade neolítica, senão no que pares assomar um fundo prévio, cecais como quiser em tempos Walter Burkert, provinde do imaginário dos antigos caçadores.

Seja como for não há dúvida de que os restos de Motala nos mostram um complexo mundo ritual no que os vestígios da morte, e especialmente o crânio, tiverem um especial protagonismo, sobre como há já que entender o papel deste vítima ou objeto de reverência ancestral, troféu ou relíquia, o seu, em resume, "ser ou não ser" destes nórdicos ossos, e uma pergunta  que pelo momento, e na espera dos isótopos, meu caro Jorik queda "aberta": "that is the question"


Referências
 
- Burkert, W.: Homo Necans: The Anthropology of ancient Greek sacrificial ritual and myth University of California, Berkeley, 1983 pp. 1-81
- Graedner, D.: "Dancing with Corpses Reconsidered: An interpretation of famadihana (in Arivonimamo Madagascar)" American Ethnologist 22, 2  1995 pp. 258-278
- Guilaine, J. e Zammit, J.: El camino de la guerra. La violencia en la prehistoria. Ariel, Barcelona, 2002 pp. 61-100
- Lambrechts, P.: L´exaltation de la tête dans la penée et dans l´art des celtes. De Tempel, Brujas, 1954, 3 vols 
- Larson, P:"Austronesian Mortuary Ritual in History: Transformations of Secondary Burial (Famadihana) in Highland Madagascar" Ethnohistory 48, 1/2,  Emerging Histories in Madagascar, 2001, pp. 123-155, DOI: 10.1215/00141801-48-1-2-123 
- Needham, R.: "Skulls and Causality" Man 11,1, 1976  pp. 71-88
- Rose, J.C, Schmandt-Besserat, D.; Rollefson, G: "A Decorated Skull from MPPNB´ain Ghazal" Paléorient 24, 2  1998 pp. 99-104
- Zegwaard, G. A. "Headhunting Practices of the Asmat of Netherlands New Guinea" American Anthropologist 61, 6 1959 pp. 1020-1041 
- Ucko, P. J.: "Ethnography and Archaeological Interpretation of Funerary Remains" World Archaeology, 1, 2, 1969 pp. 262-280

Algo + de Informação em: 

- Kanaljorden – a Mesolithic Wetland  - Fredrik Hallgren, Univ. de Uppsala, Suecia
- Stone Age in Motala - Swedish National Heritage Board.
-  Arkeologi vid Motala ström - Blog das escavações (só em sueco)



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