terça-feira, 18 de outubro de 2022

O consumo de Leite na Pré-história


Um estudo recente (Casanova, 2022) publicado dentro do último número do jornal Proceedings of National Academy of Science vem a somar-se a uma longa serie de estudos nos últimos anos que vem a situar a exploração de produtos secundários, especialmente dos derivados lácteos (queijo, manteiga, leite calhado, iogurte.) estão já os associados a chegada da primeira neolitização no contexto centro-europeu 

O estudo oferece datas diretas de Carbono 14 a partir dos restos de gorduras animais tanto procedentes de produtos primários (carne) como secundários (lácteos) depositados em vasos cerâmicos. Essa possibilidade de datação absoluta através de este tipo de resíduos orgânicos, que até o momento não fora possível, tem se volto possível graças a aplicação de novas técnicas que facilitam a análise de componentes moleculares purificados dos resíduos alimentares pressentes em estes contendores.

As datações cruzadas obtidas de vasos cerâmicos de distintos países da área centro-europeia (Alemanha, Polónia, Hungria, Norte França, Países Baixos, etc.) oferecem uma imagem muito complexa e diversa da adoção da novo regime alimentício, na qual se percebem assimetrias na maior ou menor proporção de lácteos na dieta entre regiões diversas. 

Ao mesmo tempo observa um crescimento geral da importância de produtos primários animais (cárnicos) assim derivados lácteos e um baixa presença de produtos pesqueiros na alimentação das culturas neolíticas associadas a chamada Cultura da Cerâmica de Bandas, coa qual chega a agricultura a Centro-Europa assim como as regiões bálticas.


Isto segundo os autores podia estar refletindo diversas oleadas de neolitização caracterizadas por uma maior ou mais moderadas intimidação do consumo de lácteos que a economia neolítica introduz na chaira centro-europeia. Assim mesmo dentro de estas assimetrias na beira Ocidental do domínio da Cerâmica de Bandas, com sucede nos Países Baixos ou na Baixa Alsácia, se observa uma anómala intensificação no uso de lácteos com respeito as regiões vizinhas do mesmo grupo cultural. O qual poderia justificar-se por hibridação cultural com outros grupos neolíticos, sinaladamente o mediterrânico, de facto os vasos da Cerâmica de Bandas local amostram curiosas similitudes com padrões decorativos da Cerâmica Cardial. 

E conhecido que a expansão do tipo cerâmico cardial coincide como a expansão do neolítico à zona central e Ocidental do Mediterrâneo, e que a partir de costa Oriental de França e a Península Ibérica o neolítico de influxo mediterrânico penetra pelo Atlântico e o Continente ate o Norte. Isto da uma imagem da zona Ocidental da Cultura Cerámica de Bandas como um espaço de contacto entre as duas trajetórias de expansão secundaria neolítica desde os Balcãs, a terrestre seguindo os Cárpatos e a planície Danubiana como via, e a marítima própria das culturas cardiais.

Na Península Ibérica a presença de derivados lácteos testemunha-se já desde as primeiras fases de neolitização e tem continuidade durante o Calcolítico e Bronze, apreciando-se tanto a presença de resíduos de lípidos como de utensílios usados para a elaboração de queixo (Guerra & Delibes, 2013). As queixeiras amostram assim um forte evidencia da importância dos lácteos

Paradoxalmente esta importância dos lácteos se da entre populações que são ainda intolerantes a lactose. O qual é possível já que as bactérias dão lugar a fermentação consumem no processo os açúcares (a lactose é um açúcar) reduzindo a sua concentração, e mesmo pudendo chegar a uma proporção de 0 lactose. 

Igual se observa no neolítico Centro-Europeu e balcânico, onde não obstante a progressiva intensificação do consumo de lácteos teriam exercido uma forte pressão adaptativa que favoreceu a seleção da mutação genética que permite o consumo de leite na idade adulta, a qual não chegaria ao Ocidente, incluída a Penínsulas, até o Calcolítico e Bronze. Não pudemos agora deter-nos aqui em aquela condições seletivas e ambientais, que também influíram, e seguem influir até dia de hoje, na dissimilar distribuição da tolerância /intolerância a lactose entre o Norte e o Sul da Europa.

Em este processo de stress evolutivo em populações com um consumo intenso de derivados lácteos puído contribuir também o uso de suplementação da alimentação de crianças com leite cru de vaca, uma vez destetado ou por impossibilidade da madre de aleitar o menino. Um estudo há uns anos (Dunne, 2019) demonstrou que uns curiosos recipientes do Neolítico e Bronze na zona Balcânica e Centro-europeia que amostram uma estranha forma, alguns deles mesmo com aspeito zoomorfo (geralmente de bovídeos) eram de facto biberões para a lactação das crianças com leite cru de vaca.

O extensão do consumo de lácteos até idades mais tardias da infância que isto permitiu, e a melhora que supus na alimentação e saúdes, possivelmente contribui também a que aqueles indivíduos que mantinham na idade adulta a capacidade para digerir o leite cru e não apenas seus derivados (queixo, manteiga, leite calhado, iogurte), desfrutaram de uma vantagem adaptativa sobre sujeitos ainda intolerantes a lactose.

O artigo publicado nos PNAS faz uns dias situasse no marcado do projeto de pesquisa The Milking Revolution in Temperate Neolithic Europe da Universidade de Bristol, até agora finanziado pelo programa CORDIS da UE


Artigo principal:

Casanova, E.;  Knowles, T D. J, Bayliss, & Richard P. Evershed, R.P. (2022) "Dating the emergence of dairying by the first farmers of Central Europe using 14C analysis of fatty acids preserved in pottery vessels" PNAS Vol. 119/ 43 pp. 1-9  DOI: 10.1073/pnas.2109325118

Bibliografia complementaria:

Bánffy, E. (2019): First Farmers of the Carpathian Basin. Changing patterns in subsistence, ritual and monumental figurines. Prehistoric Society Research Papers Nº 8. Oxbow Books, Oxford.  PDF

Dunne, J., Rebay-Salisbury, K., Salisbury, R.B. et alii (2019): Milk of ruminants in ceramic baby bottles from prehistoric child graves. Nature N º 574, pp. 246–248  DOI: 10.1038/s41586-019-1572-x

Guerra, E., Delibes, G., Rodríguez-Marcos, J.A.,Crespo, M., Gómez, A., Herran, J.I., Tresserafs, J., Matamala, J.C (2013): "Residuos de productos lácteos y de grasa de carne en dos recipientes cerámicos de la Edad del Bronce del Valle Medio del Duero" BSAA Arqueología, Vol. LXXVII-LXXVIII pp. 105-135 PDF


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