"Do 99% da humanidade não ficara rastro"
Entrevista a Mike Parker Pearson (Universitade de Sheffield)
Especialista de renome internacional em arqueologia da morte e na pré-história recente de Grã-Bretanha e do norte de Europa. Também tem escavado em Grécia, Síria, os Estados Unidos, Madagascar e no oeste do oceano Índico. Dirige os trabalhos arqueológicos no jazigo de Stonehenge, o qual lhe fez merescente da distinção de "Arqueólogo do ano" o 2010. Foi o principal palestrante do seminário do ICAC "A arqueologia da morte".
Que é a arqueologia da morte?
É o estudo dos costumes e rituais funerários no passado, o estudo de como a gente comemorou a morte.
Que é mais que comemorar o passado.
É claro, porque os monumentos funerários pervivem no futuro, ou seja que é uma maneira que têm os humanos de mudar o sentido do tempo. É uma marca no presente que se refere ao passado e que perdurará no futuro, durante séculos ou milénios.
A consciência da morte faz-nos humanos?
Sim, é um dos aspetos fundamentais que nos diferencia dos animais. E o que fazemos é ver de dar sentido a este problema: temos uma vida muito curta e não sabemos que passa quando morremos. O que é fascinante, como historiadores, é estudar como as sociedades do passado e do presente o tentam resolver, racionalizar, explicar.
A sociedade atual como o faz?
A Ocidente vemo-nos como uma cultura da vida. A morte é negada, apesar que esté em todos os lados e lhe passe a tudo o mundo! Teria que estar mais integrada na vida, independentemente de se temos crenças religiosas.
Para entender a morte ao longo do tempo os restos arqueológicos são suficientes?
A arqueologia não dá um retrato de corpo inteiro do passado. Temos restos materiais, como monumentos, recintos funerários, edifícios, os mesmos esqueletos, mas perto do 99% da história da humanidade não ficaram rastros.
Que difícil de estudar, pois?.
É um reto. Tão só sabemos de grupos que não são representativos da maioria da população. Também é o nosso reto pensar em outros lugares onde temos de procurar restos. E tenhamos presente uma coisa: em Europa a maioria dos nossos mortos de hoje não serão arqueologicamente visíveis, porque a incineração é uma prática a cada passo mais estendida.
Sorte, porque ao final não caberíamos! Que passa quando o planeta é cheio de monumentos para os mortos?
Não o sei. À Grã-Bretanha os cemitérios estão cheios. Que temos de fazer? Jogá-los a terra, reutilizá-los? É difícil porque também há em jogo um sentimento muito forte da gente. Como temos de gestionar os mortos no mundo dos vivos? Construímo-los espaços separados, mas agora temos de pensar outras soluções.
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lekitos com escena de culto diante de uma estela funerária |
Outra maneira de representá-los?
Sim. Aqui ainda temos terreno, mas fixem-nos em lugares como Hong Kong, onde há pouco espaço e é caro. Será interessante ver como fazem-no para construir os monumentos para as cinzas dos mortos. À Grã-Bretanha há um interesse crescente por reciclar os mortos em enterramentos verdes ("green burials").
Em que consiste?
Em enterrar em zonas verdes e marcar a tumba plantando uma árvore. A ideia é que a morte é uma parte do ciclo da vida, do processo natural de decadência e regeneração. É uma boa solução. Conecta com a perceção das árvores como monumentos naturais. E é como dizer: "O meu tempo se acabou, mas a vida contínua".
Que importância tenhem os rituais?
Muita, também em sociedades seculares, porque juntam a gente, os dão um marco para viver em comum este momento de luito e rutura. Os rituais, religiosos ou não, são necessários, porque acompanham na morte e são uma boa estratégia para a encarar.
Você diz que a morte com frequência se utiliza politicamente.
Sim. Temos muitos exemplos, como o de Eva Perón. Defunta, o seu corpo quase converteu-se em objeto de manipulação política do seu marido, o ditador. E outro caso da América Latina: os maias eram conhecidos por mumificar os governantes, e continuavam tendo poder no mundo dos vivos. Um jovem conquistador que se quis casar com uma moça local teve de pedir permissão a um de estas momias, que tinham um intérprete!
Incrível.
Mas de fato todos os funerais políticos são uma ocasião para manipular, negociar, para reclamar sucessões. É um momento político chave!
Fale-nos de Stonehenge, onde dirige as escavações desde o 2003.
É apaixonante! Fizemos descobertas revolucionárias: encontramos o núcleo onde vivia a gente enquanto se construía Stonehenge, datamos o jazigo entre o 3000 e 2400 aC e encontramos o Bluestonehenge.
Que é?, outro círculo de pedras?.
Sim, mas mais pequeno, a uns 3 km de Stonehenge e ao lado do riu Avon. De fato o riu conecta o núcleo habitado com Bluestonehenge. Chamarmos-lhe assim pela cor azulada pedra.
De onde provem?
Do oeste de Gales, a uns 200 km. Está feita de doleritas, riolitas, cinza vulcânica e grés. O outro tipo de pedra que há no jazimento é um grés de Avebury, a uns 30 km. Agora o que queremos são encontrar as pedreiras de onde sacaram estes blocos!
Por que os levaram de tão longe?
Boa pergunta. O que é óbvio é a associação entre as pedras e os ossos dos mortos. É um lugar dos ancestrais seguro. O fato que se usem pedras de dois lugares (do centre de Inglaterra e de Gales) para um sozinho monumento faz pensar que quiçá é o primeiro símbolo da união de Grã-Bretanha, a sinal de um momento de trégua.
Mas que é, Stonehenge? Cemitério, lugar de culto, enclave astronómico?
Tudo ao mesmo tempo! Tem a ver com o céu, com os mortos e com a união de Grã-Bretanha. Mas é um mistério. Em junho publico um livro precisamente em que o explico,
Exploring the greatest Stonehenge mistery.
Por que é importante tê-lo datado
Porque desfizemos o mito que Stonehenge vem dos druidas. Disse-o William Stukeley o 1740 baseando-se em escritos de Júlio César. Não se podia nem imaginar que era bem mais antigo!