sábado, 13 de julho de 2024

Castros, Poleis e aldeias na Tessália


A Grécia tem sido percebida como um mundo de cidades, numa época em que o urbanismo na Europa era excecional ou simplesmente inexistente, em contraste com o Oriente Próximo. Nesta linha, historicamente considerou-se o processo de urbanização europeu como uma irradiação do modelo de cidade grega, uma imagem que tem sido questionada e matizada pelo desenvolvimento dos estudos sobre os sítios urbanos na Europa temperada na Iª Idade do Ferro e final da proto-história. 


Esta perspetiva que forma parte do sentido comum é a que vem a ser questionada precisamente por um recente artigo, que exprime o argumento contraintuitivo de que a desenvolvimento urbano realmente seria algo tardio, que não seria sustentável na Grécia Arcaica e Clássica e do que apenas se poderia topar a partir do período helenístico. Os autores atribuem a projeção do conceito urbano como esquema geral ao mundo grego á equiparação do termo com o conceito grego de polis, unidade política ou forma de organização política traduzida topicamente como cidade-estado. 


Nos últimos anos se tem questionado a própria ideia de que a polis poda ser considerada como "estado" (Berent, 2000; 2006, Paiaro, 2009), questionamento que já podemos ver no XIX na argumentação de um Koprotkin da cidade como forma não estatal de governo. Outra dificuldade é o conhecido caso de Esparta definida institucionalmente como polis em quanto comunidade política, mas com uma clara carencia de qualquer estrutura arquitetónica urbana. 


Assim existindo uma organização política definida, com magistraturas (eforoi) e órgãos de governos (Gerousia, Apela), não existia uma concentração habitacional simetrica, fichando a população repartida ntre vários núcleos de pequeno tamanho, as 4 aldeias (obai). Aliás Esparta tens ido vista apenas como uma exceção, um hapax, que consequências para a validação do modelo geral políade. O artigo precisamente inverte isto considerando em realidade o caso espartano mais próximo a generalidade:

"O termo 'cidade' é frequentemente usado de forma intercambiável na literatura acadêmica com ' polis ' (pl. poleis ), uma palavra que carregava vários significados na antiguidade. Originalmente, polis implicava uma fortaleza, mas ao longo dos séculos gradualmente passou a denotar 'cidadela', 'uma comunidade de cidadãos' e 'assentamento urbano' - às vezes simultaneamente (Hansen & Nielsen 2004: 39–46). A pesquisa sobre a "antiga cidade grega" está tão fortemente ligada à pesquisa sobre a pólis que é difícil encontrar um estudo que alegue estar preocupado com a primeira que não seja também um estudo da última. Como as origens das pólis (como comunidades) foram rastreadas até a Idade do Ferro, os primórdios do urbanismo grego foram localizados no mesmo período por inferência. Há notavelmente pouca evidência arqueológica, no entanto, para apoiar a existência de grandes assentamentos urbanos na Grécia nesta época, um fato que é reconhecido até mesmo por aqueles estudiosos que defendem um desenvolvimento inicial do urbanismo"
Pela dificuldade que tem a avaliação dos traços urbanos em contextos no que a facies arcaica se topa superposta e consequentemente alterada por um forte peso do urbanismo posterior (tanto antigo como contemporâneo) nas grandes cidades como Atenas ou Corinto os autores prateiam a necessidade do estudo da organização do povoamento em regiões periféricas menos alteradas como pode ser a Tessália, adotada como estudo de caso.

restos arqueológicos musealiçados in situ na cidade de Atenas

Partindo dos critérios para definir o urbanismo propostos por Michael E. Smith os autor conclui que há uma falta de evidência direta de urbanismo generalizado antes do final do século IV A.C, pela contra a Grécia continental se mostra durante este abano temporal como um mundo estruturado fudamentalmentne por um povoamento rural disperso de aldeias. 


Sugerindo ademais que os maiores centros do período arcaico e clássico como Atenas, Corinto ou Esparta seriam apenas aglomerados de aldeias, observando-se apenas ao final do período arcaico uma certa nucleação mal conhecida, e da que apenas se infere o caráter de urbana por evidências indiretas como a presença de grandes necrópoles que pelas traças de um urbanismo propriamente dito. Como alternativa, o autor observa como claras mostras de uma organização política da comunidade na epigrafia e nas fontes históricas se dão igualmente em regiões da Grécia onde não se hã núcleos urbanos senão que respondem a organizações de tipo federal (koinon)



O caso da Tessália tomado como exemplo pelo autor mostra um povoamento organizado em aldeias junto a recintos fortificados no topo das colinas. Estes castros não apresentam paradoxalmente evidência de nenhum assentamento permanente dentro das suas muralhas, nem material cerâmico ou de atividades humanas domesticas, tampouco apresentam na sua proximidade necrópoles, estando ausente recursos críticos para qualquer forma de povoamento como as fontes ou poços de água. 




De facto a falta de povoamento se estende frequentemente as próprias imediações de estes sítios fortificados, pelo qual o Rönnlund propõe funcionalidades como a de servir de lugares de refugio temporais durante incursões bélicas, centros de agregação ocasional para reuniões políticas ou de tipo religioso e ritual, num caso dos estudados o Kastro de Xylades (Farsala) na época helenística se documenta um pequeno santuário dentro do recinto. 


Em outro caso, o de Vlochos, o recinto arcaico passou a formar parte da acrópole de uma cidade dois séculos após, mas as novas fortificações urbanas não utilizaram o antigo muro de fechamento, nem o topo da colina fora usado como lugar de habitação.

"Esses fortes de colina, juntamente com os locais de vilas contemporâneas nos vales circundantes, apresentam uma imagem semelhante à visão de Ehrenberg (Ehrenberg 1969: 23)  da Grécia da Idade do Ferro Inicial, onde os castros comunais atuavam como “cidadelas de refúgio” para “uniões cantonais” de populações dispersas de aldeias em tempos de conflito. É provável que os castros tenham sido instrumentais na criação dessas uniões, sendo o que Morgan (2003 : 49) descreve como “grandes sítios”, e que as muralhas funcionavam na encenação e negociação de identidades locais. A construção coletiva das fortificações -provavelmente exigindo muitos anos de trabalho comunitário- deve ter criado um senso aprimorado de identidade compartilhada. Os resultados forneceram às populações dispersas das aldeias um ponto focal central e visual na paisagem, transformando a noção abstrata da 'união cantonal' em algo real e tangível" 
Como corolário polémico o autor opõe esta reconstrução do ordem de coisas grego como contraste aos chamados "assentamentos principescos" (fúrstesitzse) da zona alpina e centro-europeia durante o periodo de Hallstatt como a Heuneburg que paradoxalmente estariam mais próximos uma definição canonico de urbanismo na altura que as maior parte das poleis gregas. 

reconstrução da Stoa de Atalo em Atenas
  
Entende que estas comunidades políticas adquirem uma fisionomia plenamente urbana apenas com o início do período helenístico, como resultado de um programa de monumentalizarão vinculado ao emergir das novas realidade políticas de carácter imperial em interrelação com a velha realidade institucional poliádica. 
  

Artigo

Rönnlund R. (2024): "Princely seats’ and Thessalian hillforts: pre-urban Greece and the diffusion of urbanism in Early Iron Age Europe" Antiquity Nº 98/399 pp. 743-757. DOI:10.15184/aqy.2024.65  
   
Bibliografia complementar

Berent M. (2000): "Anthropology and the classics: war, violence, and the stateless polis." The Classical Quarterly Nº 50/1 pp. 257-289

Berent M. (2006): "The Stateless Polis: A Reply to Critics" Social Evolution & History Nº 5/1, pp. 140–162 PDF

Ehrenberg, V. (1969): The Greek state. Methuen. Londres 

Kropotkin, P. (2016): El apoyo mutuo. un factor de evolución. Pepitas de Calabaza. Logronho

Paiaro, D.(2009): "Las formas de coacción y la pólis: ¿Era Atenas Clásica una sociedad no-estatal?" XII Jornadas Interescuelas/Departamentos de Historia. Departamento de Historia, Facultad de Humanidades y Centro Regional Universitario Universidad Nacional del Comahue, San Carlos de Bariloche. Bariloche. PDF

Morgan, C. (2003). Early Greek states beyond the polis. Routledge. Londres

Smith, M.E. (2016): "How can archaeologists identify early cities? Definitions, types, and attributes"  Fernández-Götz, M. & Krause, D. (ed.): Eurasia at the dawn of history: urbanization and social change: Cambridge University Press. Cambridge pp. 153–68  PDF

Smith, M.E. )2020): "Definitions and comparisons in urban archaeology" Journal of Urban Archaeology Nº 1 pp. 15–30 PDF


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