sábado, 3 de outubro de 2009

A IDADE DE FERRO ATLÂNTICA


HENDERSON, JON C.: THE ATLANTIC IRON AGE. SETTLEMENT AND IDENTITY IN THE FIRST MILLENIUM B. C. ROUTLEDGE, LONDRES, 2007, 369 PP., 125 FIGS.


Por Marcial Tenreiro Bermúdez


Não se pode negar que o conceito de Cultura -ou área cultural- Atlântica foi de grande produtividade para a arqueologia pré- e proto-histórica européia, sobretudo no que se refere a períodos como o megalitismo ou o Bronze Final. Neste sentido o livro em questão que aqui reseñamos se apresenta como um prolongamento do topos atlantico a um período, como o Ferro, onde não desfrutou ainda de tanto predicamento. 
Um objetivo ambicioso que contínua o labor de Barry Cunliffe e outros arqueólogos na definição de uma facies atlântica para dito período, e que Henderson propõe nesta obra a modo de uma complexa e rica síntese interpretativa. Durante o primeiro capitulo parte de uma revisão do próprio conceito de relacionamentos atlânticas e das suas teorias, desde os primeiros desenvolvimentos difusionistas ao decisivo giro procesualista, propondo de passagem uma série de problemas que se foram reproduzindo ao longo da bibliografía: como o tópico do conservadurismo e estatismo da Área Atlântica ou a dificuldade de apreciar o relacionamento entre a diversidade local e a unidade fundamental de uma tradição/é atlântica. 
Para salvar ditas limitações Henderson propõe um conceito de interação mas dinâmico, que permita apreciar o papel e evolução próprias das diversas comunidades locais, não podendo se falar assim, segundo o autor, tanto de uma tradição atlântica uniforme como de uma "diversidade emparentada" na que desenvolvimentos locais junto a relacionamentos a longa distância confluem na criação de uma relativa koiné. Duas feições que conjuga ao longo de toda a obra através de uma síntese entre os modelos de mudança social derivados da teoria de World Economic Systems e da arqueologia do assentamento.

Isso lhe permite observar o papel na continuidade atlântica de fenómenos como a forma de produção predominante: uma economia mista com tendência ao pastoreo, que favoreceu a adaptação das comunidades atlânticas ao deterioro climático que se dá durante a Idade do Ferro, favorecendo por tanto uma maior estabilidade social e cultural, por contraste com o que acontece em outras regiões. Desde o ponto de vista dos padrões de assentamento o Ferro atlântico longe de constituir um retrocesso mantém a tendência do Bronze Final a uma maior sedentarización, apreciavel no aparecimento de sistemas de campos de cultivo fechados (Fields Systems) e assentamentos permanentes, frequentemente em pedra, que se lhes associam.
Um elemento de grande interesse é o uso que o autor faz do conceito de "identidade"; mostrando como as Similitudes e diferenças da cultura material ou o tipo de assentamento podem atuar à hora de criar e negociar afinidades ou alteridades entre comunidades regionais e áreas culturais, incide assim no contraste que se estabelece entre a série de elementos comuns ao complexo atlântico (casas circulares, depósitos acuáticos, ausência de enterros, etc.) e os próprios da tradição dos Campos de Urnas. Atenção especial merece a cultura material, observando que conquanto os objetos que circulam pelo atlântico têm uma origem inicial centroeuropeu, parecem ter sido adaptados para criar uma nova tipologia, própria e comum dentro da área, e intencionalmente diferente do seu modelo original. 
Mostra-se assim o consciente alteridade de duas áreas culturais (Atlântica vs. Campos de Furnas) unidas por um relacionamento de mutualidade comercial (o cobre alpino e o estano atlântico) mas que se reconhecem ao mesmo tempo entre se como diferentes o expressando através da sua cultura material. Envelope a feição simbólica e ideológico dos bens móveis que circulam nas redes atlânticas argumenta que a continuidade de tipologias como os caldeiros de rebites pôde se ver favorecida pelo papel ritual que desempenhavam ditos objetos dentro do seu circulo cultural. O qual poderia explicar o tardio do uso do ferro ou fenómenos peculiares como o de que as poucas espadas hallsttáticas do âmbito nórdico e atlântico sejam normalmente versões em bronze de tipos férreos alpinos. 
Henderson incide no importante papel jogado pelo intenso comércio do Bronze Final para a definição das comunidades atlânticas, já que será finalmente a decadência daquele a que determinasse o seu carácter periférico e marginal durante o Ferro, dando assim local a zonas regionais com uma marcada personalidade, que em parte inovassem desenvolvendo elementos do substrato atlântico comum. Detém-se em concreto em duas zonas sub-regionales: a formada por Irlanda e Escócia, e pelo eixo Armórica-SE da Inglaterra. A primeira desenvolve uma arquitetura própria a partir das casas circulares do Bronze, dando local a edifícios domésticos sem igual como as monumentais roundhouses escocesas, enquanto a outra inmersa na nova rede comercial que se desenvolvesse a partir de 600 a.C., absorve e sintetiza elementos do mundo centroeuropeu e lateniense. Henderson observa dentro de ambas umas convergências na cultura material e o de habitem, bem como a sincronia de determinados fenómenos, que parecem sugerir contactos mas intensos do que mostra a priori o registo.

Por ultimo um ponto a assinalar, desde uma perspetiva peninsular, é a reformulação que realiza o autor na conclusão do problema das línguas célticas. Para isso toma como base a hipótese da língua franca atlântica de Marisa Ruíz-Galvez (Ruíz-Galvez, 1990), bem como os modelos de celtização linguística durante o Bronze Final que, durante os últimos ânus, foram utilizados por arqueólogos e lingüistas para explicar a problemática irlandesa (Koch, 1986; 1991;Waddell, 1991; Wabbell e Conrroy, 1999; Raftery, 1991, Cunliffe, 2001), o que lhe permite correlacionar as áreas linguísticas com a visão arqueológica, replanteándoas como manifestação de uma dicotomía que se observa assim mesmo no registo entre as zonas de influência lateniense e aquelas outras, como Irlanda ou a Península Ibéria, ficaram, em maior ou menor medida, à margem da nova rede de contactos atlânticos, e que se caracterizassem significativamente por manter dialetos celtas mas arcaicos em Q- por oposição ao inovador celta P- derivado do mundo continental. Inferindo-se disso como lógica conclusão a identidade entre o Celta Q- (ou proto-celta) e a postulada língua vehicular do Bronze Final Atlântico. 
Uma alternativa mais procesual e cumulativa que tem ao seu favor, com respeito às suas competidoras, uma maior coerência entre dados linguísticos e arqueológicos, mas que contrasta com as geralmente aceitadas visões da celtizacão hispana, que tendem a atribuir a um processo celtiberiçador, primando a via continental-pirenaica- sobre a atlântica, hipótese que foi criticada recentemente para a própria Celtiberia (De Bernardo, 2006; Manyanos, 1999). Isso levou aos nossos proto-historiadores, com exceções (Pena, 1994), a considerar ao NO peninsular como uma área à margem de uma celticidade definida baixo o paradigma do celtibérico, se propondo como alternativa uma série de rasgos e particularidades diferenciais do castrejo, como o seu carácter periférico ou a continuidade autótona com respeito ao Bronze Final Atlântico. Precisamente os mesmos elementos (continuidade com o Bronze Final e evolução autónoma) que servem -henos aí um interessante paradoxo para a reflexão- ao nosso autor e a outros arqueólogos europeus para definir, precisamente, e explicar com isso de maneira abundo convincente e coerente as "celticidades" de outras comunidades atlânticas durante o Ferro.


DE BERNARDO STEMPEL, P. (2006): “Las lenguas célticas en la investigación: cuatro observaciones metodológicas”, Cuadernos de Filología Clásica. Estudios griegos e Indoeuropeos, 16, pp. 5-21

CUNLIFFE, B. (2001): Facing the Ocean. The Atlantic and its peoples 8000BC-AD 1500. Oxford.

KOCH, J. T. (1986): “New Thoughts on Albion, Ierne and the Pretanic Isles”, In: Proceedings of the Harvard Celtic Colloquium, 6, pp. 1-28

___(1991): “Eriu, Alba and Letha: When was a language ancestral to Gaelic first spoken in Ireland?”, Emania, 9, 5-16

MANYANOS PONS, A (1999): “Un estado de la cuestión de la celtización peninsular desde la complementariedad de un doble proceso” Kalathos nº 18,, pp. 125-151

PENA GRANA, A. (1994): “O Territorio e as categorias sociais na Gallaecia Antiga” Anur. Brig, 17, pp. 33-78

RAFTERY, B. (1991): “The Celtic Iron Age in Ireland: Problems and Origins”, Emania, 9, 28-32
RUIZ-GALVEZ, M (1990): “Canciones del muchacho viajero” Veleia, 7, pp. 79-104

WADDELL, J. (1991): “Celtization of the West: An Irish Perspective”, en Chevinot, C. y Coffyn, A (eds.): L´age du Bronze Atlantique. Beynac, pp. 349-366

WADDELL, J. y CONROY, J. (1999): “Celts and Others: maritime contact and linguistic change” en Blech, R. y Springgs, M. (eds.): Archaeology and Language IV: Language Change and Cultural Transformation. Londres, pp. 125-13

(publicado en Gallaecia nº 28, 2009, pp. 221-222)


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