Faz dois dias justo lia um artigo recentemente publicado na revista
Archaeological & Anthropological Sciences no que se re-estudava o crânio de um indivíduo enterrado num túmulo do Bronze Inicial na localidade de Smeeni no sul da atual Roménia. O interesse de este crânio esta no facto de ser a evidência mais antiga disponível nos Balcãs de a pratica da deformação intencional do crânio para conseguir uma forma artificialmente alongada da cabeça na idade adulta.
Pessoalmente conhecia a prática da deformação craniano além dos casos do continente americano através sobre tudo do célebre caso dos hunos do período das Invasões Barbaras. São muito conhecida a deformação cranial que este grupo étnico praticava.
a direita moeda de Khingila I fundador do reino dos Hunos Alchon em Batriana, 450 D.C; esquerda cranio topado em Samarcanda (Uzbekistão), circa 600–800 D.C
É frequente entre os especialistas de este período utilizar este rasgo morfológico como identificativo de necrópoles ou indivíduos adscritos esta etnia centro-asiática ou a mesmo de indivíduos segunda geração assimilados dentro da koine huna, ou ainda das elites povos submetidos, ou vassalos do reino huno, como se observa em alguns cemitérios alanos e burgûndios, mas desconhecia totalmente a presença em épocas tão antigas na Estepe Euroasiática deste costume. pelo que o tema suscitou inmediatamente meu interesse.
síntese dos enterramentos yamnaya de Smeeni, Roménia
O crânio pertence a
um varão adulto de entre 30 e 40 anos, e segundo os autores do artigo seria
resultado de uma ação deliberada mediante pressão para alterar a forma
craniana do sujeito desde criança já com uma possível prolongação do uso de
estas técnicas durante a adolescência. É interessante a este respeito a
descrição que se do método ussado para isto, inferida através das evidências
osteológicas:
"A
remodelação ocorreu durante a infância, na primeiros anos de vida, por
compressão circular simétrica, mais provavelmente com o auxílio de bandas ou
fitas estreitas e flexíveis feitas de fibras, tecidos vegetais ou peles de
animais. Consideramos que as bandages foram aplicadas na cabeça deste
indivíduo logo após o nascimento e envolvendo o seu crânio com força. Um curativo
começou a partir do topo da cabeça (a região pós-coronária) para a parte de
trás da cabeça (a região na proximidade do ponto cranial inion), enquanto a
segunda bandage, de a testa (acima das órbitas) em direção ao lado superior do
parte posterior da cabeça (parte posterior dos parietais). Supõe-se que,
geralmente, as ligaduras foram removidas em torno a idade de 1,5–2 (máximo 5),
quando a criança foi desleitada"
A Alguns autores como Erik Trinkaus tem argumentado em base a restos da Cova de Shanidar (Irak) que a pratica da deformação intencional do crânio pudera ser praticada já pelos neandertais. Para o homo sapiens a evidência mais antiga de esta procede dos jazigos paleolíticos da Cova de Zhoukoudian e Houtaomuga na atual China.
distintas perspetivas do crânio da Cova Zhoukoudian
Dentro do mesmo período se enquadra também os caso de deformação craniana de Nacurrie região do Rio Murray na Austrália. Este ultimo caso é de interesse, no entanto como estudou nos anos 30 Beatrice Blackwood a prática da deformação craniana seguia existindo entre alguns povos de Oceania como os Arawe. Já no neolítico constata-se de novo na fase de este período de Shanidar, em Jerico (Israel), no Tell-es-Sultan, Diga a Ramad e Bougras (Síria), nos jazigos iranianos de Tepe Gani Dareh, Ali Kosh, Choga Sefid, Tepe Abdul Housein, Tepe Ghenil, e finalmente em Ashikli Höyük, Salat Jami, Hakemi Use na Anatõlia. Esta prática tem continuidade durante o Calcolítico e Bronze Inicial no Oriente Próximo e desde lá parece estende-se a outras áreas chegando até o Cáucaso e Crimeia e Asia Central.
dois casos de deformação craniana na Oceânia: a esquerda crânio de Nacurri 1, direita: bebe arawa com a cabeça vendada e mãe, Nova Bretanha, 1934
Tudo isto sugere que partindo do núcleo Próximo Oriental o costume da deformação craniana foi-se gradualmente expandindo a Anatólia, e leste do Mediterrâneo, e já no Calcolítico-Bronze Inicial também entre as populações da área compreendida entre o Norte do Cáucaso, Don e Volga, ainda que observando-se nestas zonas uma incidência menor de esta prática da que se topa no Oriente Próximo.
distintos metodos de deformaçâo craniana segundo Meiklejohn et alii
Evidências de este costume aparecem nos jazigos de Polutepe e Ismayilbeytepe no Azerbaijão, Chiaturi na Georgia, Ginchi e Velikent III no Dagestão, e Aknalich na Arménia. Também aparece nos Balcães em Durankulak (Bulgária) e na Grécia em no jazigo de Tharrounia.
reconstrução digital da cabeça do Homem de Kennewick
No Ocidente da Europa tem-se sugerido casos de deformação craniana, se bem controversos, durante o Neolítico em Jammes, Belleville and Bonifacio e Guiry todos na França. Diferente via séria, obviamente, a que conduziria esta prática ao continente americano, casos como o do Home de Kennewick poderiam vincular a sua chegada a colonização paleolítica deste Asia Oriental.
Casos de deformação craniana em Eurásia, Oceânia e América segundo o estudo de Ni et alii
Na estepe eurasiática a prática da deformação do crânio das crianças não amostra muita frequência e parece ter-se espalhado mais lentamente, e os corpos que amostram isto mais antigo aparecem vinculados a cultura Yamnaya e a Cultura das Catacumbas. Recentemente se tem assinalado similitudes entre as técnicas de deformação do crânio dos Yamnaya e da Cultura das Catacumbas com as da cultura Okunet do Sul da Sibéria, indicando possíveis contactos a longa distancia entre áreas tão afastadas geograficamente como as de estas culturas pré-históricas.
distintos pormenores do crânio do homem de Smeeni e reconstrução hipotético da colocação das ligaduras tendo em conta as deformações produzidas na fisionomia da cabeça
Com tudo a escassa incidência no mundo yamnaya de este costume sugere que nunca cumpriu a função de identificador étnico que adquiriu por contra entre algumas populações da estepe em tempos já históricos como os hunos e os avaros. Uma possibilidade ao respeito é interpretar o cranio deformado como um marcador de status de certos linhagens ou condições sociais, ou bem mesmo funcionar secundariamente como marcador étnico em contextos nos que uma nova elite intrusiva poderia tentar manter um certo diferencialismo através de esta prática, como sugerem hipoteticamente os autores do artigo para o esqueleto do túmulo de Smeeni vinculado a cultura yamnaya
Artigo:
Frînculeasa, A,; Simalcsik, A.;Petruneac, M.; Focşăneanu, M.;Robert Sîrbu, R. & Frînculeasa, M.N. (2023): "From the Eurasian steppe to the Lower Danube: the tradition of intentional cranial deformation during the Bronze Age"
Archaeological & Anthropological Sciences Nº 15/8 pp. 1-17
DOI: 10.1007/s12520-023-01826-0
Outras referências:
Brown, P. (2010): "Nacurrie 1: Mark of ancient Java, or a caring mother’s hands, in terminal Pleistocene Australia?"
Journal of Human Evolution Nº 59 pp. 168-187
DOI: 10.1016/j.jhevol.2010.05.007
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Paléorient Nº 25/2 pp. 143-146
DOI: 10.3406/paleo.1999.4692
Kazarnitsky, A.A.; Gromov, A.V.; Evgeniia N. Uchaneva, E. N. & Pugacheva, E.V. (2023): "Cranial deformation in the northwestern Caspian Sea region in the Bronze Age: Siberian parallels"
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PLoS One Nº 12/2: e0171064
DOI: 10.1371/journal.pone.0171064
Meiklejohn C.; Agelarakis A.; Akkermans P. A.; Smith P.E.L. & Solecki R. (1992): "Artificial cranial deformation in the Proto-neolithic and Neolithic Near East and its possible origin : Evidence from four sites"
Paléorient Nº 18/2 pp. 83-97
DOI: 10.3406/paleo.1992.4574
Ni, X.; Qiang Li, Q.; Stidham, T.A.;Yang, Y.; Ji, Q.; Jin, Ch. & Samiullah, Z. (2020): "Earliest-known intentionally deformed human cranium from Asia" Archaeological & Anthropological Sciences Nº 12:93
DOI: 10.1007/s12520-023-01826-0
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